2011 - Gallian - Um itinerário para o pesquisador da história e da memória da saúde no Rio Grande do Sul

Um itinerário para o pesquisador da história e da memória da saúde no Rio Grande do Sul

A guide for the researcher of the history and memory of health in Rio Grande do Sul

Dante Marcello Claramonte Gallian
Professor e diretor do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde. Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo

Instituições de Saúde de Porto Alegre: inventário, como o próprio subtítulo expressa, é um pioneiro e detalhado inventário sobre essas instituições, dentro de um amplo marco cronológico que vai do início do século XIX até o fim do século XX.

O volume, organizado por Beatriz Teixeira Weber e Juliane C. Primon Serres, conta com a colaboração de outros três autores: Ana Paula Korndörfer, Gabrielle Werenicz Alves e Jaisson Oliveira da Silva. É produto do projeto Inventário Nacional do Patrimônio Cultural da Saúde, que, como informam as próprias organizadoras, "consistiu num amplo levantamento do patrimônio arquitetônico-histórico de hospitais e de outras instituições de assistência médicas, assim como dos institutos de pesquisa científica organizadas nos séculos XIX e XX" (p.7). O projeto, implementado e supervisionado pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, está sendo desenvolvido em outras seis capitais brasileiras, além de Porto Alegre: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia, Salvador e Florianópolis. Insere-se em um conjunto de ações definidas no âmbito da Rede Latino-americana de História e Patrimônio Cultural da Saúde, criada em 2005, e visa à difusão e ao uso social dos acervos, uma vez que se integra a essa Rede e à Biblioteca Virtual em Saúde (BVS-Bireme). Percebe-se, portanto, que o livro é parte de um grande e louvável esforço para inventariar o patrimônio memorial, histórico, arquitetônico e cultural da saúde no Brasil em seus mais diversos aspectos, contribuindo não apenas para a elaboração de um precioso itinerário de pesquisa, como também para a sensibilização da sociedade perante o urgente desafio da preservação da memória nacional.

Instituições de Saúde em Porto Alegre é o inventário de 25 instituições públicas e privadas relacionadas à área da saúde na capital gaúcha, organizado em ordem cronológica, desde a Santa Casa de Misericórdia - a mais antiga, fundada em 1803 - até o Hospital de Clínicas de Porto Alegre - inaugurado em 1968 -, passando por unidades de projeção local e nacional como o Hospital da Beneficência Portuguesa, o da Brigada Militar, a Casa Godoy, o Hospital Moinhos de Vento (antigo Alemão), a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Hospital Colônia Itapuã, entre outros. Sobre cada instituição há uma pequena ficha de identificação, com dados sobre denominações da instituição, localização, endereço, categoria (hospital, clínica, etc.), datas de construção, inauguração e reformas, nome do proprietário e autor/executor do projeto arquitetônico. Além de breve histórico da instituição, há também uma descrição arquitetônica do edifício ou edifícios, com informações sobre registro de tombamento e outras complementares e igualmente úteis ao pesquisador. No início de cada 'capítulo' encontra-se uma pequena foto da instituição inventariada, geralmente referente ao período de sua inauguração.

Cabe destacar, entre as várias e importantes instituições e construções inventariadas, a presença de uma antiga residência, a Casa Godoy, construída em 1907 e de propriedade do psiquiatra Jacintho Godoy entre 1938 e 1959. Tendo abrigado, além da residência familiar, o consultório do iminente médico porto-alegrense, o palacete foi ponto de encontro, "local de reunião de especialistas em ciências médicas e palco de discussões acadêmicas envolvendo a Medicina" (p.36). Exemplar quase único e bastante representativo do estilo art nouveau em Porto Alegre, o edifício, tombado em 2006, abriga hoje a Coordenadoria da Memória Cultural da Secretaria Municipal de Cultura. Sua inclusão nesse inventário atesta uma visão abrangente do escopo que é preciso ter hoje a respeito do patrimônio cultural em saúde em nosso país, de modo a transcender a perspectiva meramente oficial e institucional e remeter a uma concepção mais ampla de memória.

Como bem aponta Beatriz Teixeira Weber, que assina o capítulo de apresentação do volume, o objetivo dele seria, antes de mais nada, estimular novas pesquisas e conscientizar sobre a importância da preservação de "acervos diversos". Nesse sentido, reconhece-se que, apesar de permitir "uma visualização inédita das instituições de saúde de Porto Alegre", ainda há muito trabalho de pesquisa a ser feito para se compor "um panorama das instituições de saúde de forma mais reflexiva" (p.11).

Em item do capítulo introdutório, intitulado "Breve panorama da história da saúde em Porto Alegre - 1803-1968", Weber aponta o grande potencial que se descortina ao esboçar o processo de criação e desenvolvimento das instituições de saúde na capital gaúcha ao longo do período. Tal como ocorreu em outras partes da Colônia, também o atendimento à saúde começou a se estruturar a partir da fundação da Santa Casa de Misericórdia, marco da organização da sociedade local a partir dos valores e das tradições luso-metropolitanas. Entretanto, principalmente a partir de meados do século XIX, o afluxo imigratório acabaria por caracterizar o desenvolvimento das novas instituições que se foram formando, a exemplo do Hospital da Beneficência Portuguesa e do Hospital Alemsetecientasão (mais tarde Moinhos de Vento). O estudo assinala também a importância do papel que desempenharam as forças armadas no aparecimento de hospitais, assim como as iniciativas dos governos municipal, estadual e federal em diferentes momentos da história, com projetos e prioridades distintos. Em suma, a relação entre os dados contextuais, produto de uma história sociocultural mais ampla, e os dados inventariados no estudo, produto de um levantamento ainda introdutório, permite vislumbrar, sem dúvida, um "amplo campo de questões" (p.14) que o pesquisador da história da saúde de Porto Alegre tem pela frente.

Verdadeiro itinerário para o pesquisador interessado na história das instituições de saúde de Porto Alegre, o livro, entretanto, apresenta algumas lacunas. A mais grave é a ausência de referências sobre a ocorrência e o estado de conservação e organização da documentação histórica, no inventário de algumas (poucas) instituições. Sendo esses dados essenciais numa publicação dirigida principalmente ao pesquisador, sua omissão é algo problemático. Por outro lado, percebe-se, pela leitura dos breves históricos de cada instituição inventariada, assim como pelas próprias observações feitas na introdução do trabalho e pela bibliografia, que a pesquisa documental foi superficial, restringindo-se a fontes secundárias, como folhetos produzidos pela própria instituição e sites da internet. Talvez tal escolha possa frustrar aqueles que buscam informações e dados mais substanciais, oriundos de fontes primárias. De qualquer maneira, entretanto, a iniciativa, apesar das lacunas (aliás, compreensível na perspectiva da proposta), apresenta-se como fundamental, importante e útil.

Seria desejável que trabalhos como esse pudessem inspirar iniciativas semelhantes não apenas em outras capitais, mas em muitas outras cidades e localidades do país. O livro Instituições de Saúde de Porto Alegre: inventário é um exemplo a ser seguido no esforço para a preservação da memória e para o desenvolvimento da pesquisa em história da saúde no Brasil.

Referências do Artigo

GALLIAN, Dante Marcello Claramonte. Um itinerário para o pesquisador da história e da memória da saúde no Rio Grande do Sul. Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. 2011, vol.18, n.4, pp. 1183-1185. ISSN 0104-5970. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702011000400016 

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