Nesta postagem aoresentamos dois textos oriundos do ciclo do Laboratório de Humanidades de 2020/2ºsem. O primeiro é "Espaço humanizado em meio à pandemia", de Lídia Buratinne, e o segundo é "Que surpresa boa", de Mariana Nogueira Ribeiro, ambas alunas de Medicina.
Boa leitura!
Texto 1: Espaço humanizado em meio à pandemia
[por Lídia Buratinne - aluna de Medicina*]
Quando li a descrição da eletiva do laboratório de humanidades eu logo me interessei, pois vi que era uma oportunidade de envolver duas grandes esferas da minha vida que eu amo: a literatura e a graduação em medicina. Eu vi a oportunidade de sair um pouco da minha zona de conforto voltada para temas somente da medicina e poder embarcar no mundo dos livros.
Eu sempre gostei de ler e quando comecei a ver perfis literários na internet eu vi que, muitos deles, faziam grupos de leitura coletiva. Assim, cheguei a participar de vários desses grupos e vi que é muito enriquecedor ler livros e discuti-los depois, pois conseguimos enxergar coisas que engradecem a compreensão da obra literária.
Com a eletiva do laboratório de humanidades eu pude ter um espaço de leitura e discussão na graduação. Isso foi muito importante para mim, pois, com a graduação corrida, não conseguimos muito tempo para discutir outras coisas a não ser questões relacionadas ao curso. Essa experiência de leitura do livro O Apanhador no Campo de Centeio foi muito legal, para que possamos ver as diversas opiniões e compreensões acerca de uma obra clássica.
Quando li o livro pela primeira vez confesso que eu gostei, mas que não vi na obra algo tão grandioso, como muitas opiniões na internet falavam. Quando as discussões da eletiva começaram, eu pude ver diversas perspectivas sobre a obra e a experiencia de releitura me fez perceber vários aspectos e interpretações que eu não tinha notado na primeira leitura.
Acredito que esses encontros nos fazem percebem a importância da integração de diversos profissionais e, também, do respeito que cada um deve ter com outras opiniões, isso nos permite ter uma formação mais humanitária, já que, como profissionais da área da saúde, isso é o que eu acho de mais importante. Tratar um paciente da melhor forma e da melhor maneira possível, sempre respeitando as suas opiniões e promovendo uma compreensão ampla de seu quadro clínico e psicológico, é, com certeza, o que me faz amar a medicina.
Os livros nos ensinam muitas coisas, como vemos com o personagem Holden, que sofre com as inquietações da adolescência e outros fatores sociais, os quais acabam prejudicando a sua saúde. Com isso, podemos ver que a leitura é muito importante para entendermos a dinâmica da nossa sociedade e o quanto ela consegue influenciar na nossa saúde.
A história de Holden, um adolescente com várias questões pendentes, nos envolve desde a primeira página e a cada semana das discussões eu ficava ansiosa para saber a opinião e as interpretações de cada um dos participantes da eletiva. Acredito que essa interação entre os alunos e os professores enriqueceu o âmbito da leitura e engradeceu essa obra de Salinger, fazendo com que nos apaixonássemos cada vez mais pelo personagem.
A experiência de participar do laboratório de humanidades foi muito enriquecedora e muito importante para mim, pois, mesmo em um cenário de pandemia, a leitura era o que me acalmava e os momentos de discussão eram muito proveitosos e proporcionavam um break na correria da graduação. Discutir uma obra literária e tentar compreender todos os aspectos abordados foi algo de grande importância para mim e, com certeza, levarei essa experiência comigo para sempre.
Gostaria de agradecer a todos os professores envolvidos na criação e coordenação dessa eletiva, pois o trabalho de vocês é fundamental e muito bem feito. Com certeza compartilharei essa experiência com meus colegas, para que eles possam ter esses momentos de paz e de diversão que foram muito importantes para mim.
Obrigada a todos e com certeza voltarei a participar em algum outro momento!
Texto 2: Que surpresa boa
[por Mariana Nogueira Ribeiro - aluna de Medicina*]
Quando me inscrevi para eletiva do LabHum lá em março minhas expectativas de experiência eram completamente diferentes, tinha recebido a indicação da eletiva de amigos que fizeram e amaram a experiencia, amigos que assim como eu amam ler. O meu principal motivo para participar era retomar o prazer e a frequência da leitura que havia perdido com todo o rolê de cursinho e início de faculdade.
Ai veio março e mudou tudo afinal o LabHum é uma experiência que na minha cabeça tinha que ser presencial afinal uma discussão que visa humanizar não fazia sentido online, mas estávamos aprendendo a ressignificar as coisas, então eu só esperei, e no fim a eletiva que era pra ser em março aconteceu só agora em setembro.
Devo dizer que quando recebi o título do livro dei uma bela desanimada, “O Apanhador no campo de centeio”, achei ser mais um daqueles clássicos carregados no vocabulário, denso, e difícil, daqueles que você tem que ler duas vezes o paragrafo para entender o que o autor quis dizer, mas fico tão feliz em dizer que me enganei e que o livro foi uma experiencia incrível, Holden é sim complexo mas de um jeito bom, sua história é intrigante e causa confusão mas é aquela confusão que você se identifica.
Durante a primeira leitura do livro antes dos encontros, senti um misto de sensações pelo personagem e pelo que ele viveu, mas o que prevaleceu foi a pena daquele menino que eu sentia ser tão sozinho e que buscava se conhecer dentro dessa solidão, através de pessoas que ele achava que podiam ajudar e ao mesmo tempo senti raiva desse mesmo menino que parecia que estava de mal com o mundo. Holden é um adolescente que passou por um trauma muito grande e está procurando se encontrara depois disso, ele quer assim como todos nós buscamos sempre dar nome a tudo o que sentimos, queremos e somos.
Depois do primeiro encontro minhas expectativas sobre como seria uma eletiva de humanidade, foram completamente rompidas, a gente na medicina houve tanto falar de humanização do cuidado com o outro, que esquecemos que também devemos humanizar o cuidado com a gente mesmo, as relações que temos e as que queremos criar. Senti ali que seria algo leve e que aquele momento na terça de manhã seria um momento muito bom e divertido, assim como posso dizer agora que foi.
Enfim era hora de reler o livro para iniciarmos as discussões na semana seguinte. Devo dizer que não queria reler uma história que mexeu tanto comigo, mas entendi que precisava saber o porquê e para isso eu precisava reler, o que eu não sabia é que precisava ouvir as experiencias dos outros então vamos a isso.
Achei que seria algo muito pesado discutir aquele livro afinal ele havia me causado um incomodo muito grande, mas mais uma vez e que feliz eu me enganei, tinha me esquecido como é com discutir e trocar esse tipo de experiência. No segundo encontro em que relemos os primeiro 14 capítulos surgiram muitas dúvidas e indagações na minha mente novamente, mas estava animada pela discussão, comecei a olhar para o Holden de uma forma mais empática e a acreditar que aquele menino tinha mais em comum comigo do que eu gostaria, apesar de todas as diferenças, durante a discussão descobri coisas que tinham passado despercebidas mesmo lendo pela segunda vez. E nessa discussão percebi que não só eu, mas várias pessoas ressignificaram seu sentimento pelo personagem e pela sua história. O professor Dante conduziu a discussão de uma forma incrível, de um jeito que não só causou esclarecimentos, mas também indagações que nos fizeram pensar sobre o porquê aquele menino de 16 anos era tão confuso e cheio de medos, que o faziam ser tão rude e as vezes até meio revoltado, mas que ao mesmo tempo mostrava tanta fragilidade e que queria se redescobrir.
Então depois de uma hora e meia de discussão posso falar sobre a minha conclusão, a minha sensação é que Holden ao mesmo tempo que quer as pessoas perto dele não quer se apegar e criar vínculos fortes com elas, ele tem medo e tem receio do que a “maldade do mundo” faz com todos que já não são mais crianças, além disso ele se projeta muito nas pessoas, fato que me causou uma certa empatia, afinal todos nós projetamos em alguém pois desde crianças vivemos de exemplos, e precisamos disso. Mas ao mesmo tempo ele fala das pessoas com um certo desdém pois essas pessoas perderam sua autenticidade, diferente das pessoas que ele mais admira que são Jane e sua irmã Phoebe além de seu irmão falecido Allie, e é por essas pessoas que ele quer ser bom.
No terceiro encontro discutimos a segunda metade do livro e foi sensacional, a discussão fluiu muito bem. Percebi novamente pontos de vista muito diferentes e porque não complementares, sim eles me fizeram entender muita coisa que senti sobre o livro mas não conseguia entender, talvez porque não conseguia dar nome aquilo que estava sentindo. Porém percebi que eu na realidade sentia uma compaixão do personagem, sabe aquele sentimento de querer acolher e ajudar, entender e só ouvir aquela pessoa. E assim acabo por pensar que para ele esse porto seguro que o acolhe é a irmãzinha Phoebe, pois ela o leva para um lugar que ele se sente bem consigo e dentro de si mesmo sem querer ser outra pessoa pelo simples fato de tê-la ali.
A e sobre o final do livro, de primeira eu tive uma raivinha de tipo “poxa, mas vai acabar assim?”, mas depois percebi que não podia acabar de outro jeito. Aquele menino precisava de ajuda, ele precisava contar o que ele sentia para alguém, e aparentemente ele está falando com um psicólogo ou psiquiatra. Ele precisa ser cuidado e abraçado mesmo que seja por nós que lemos a sua história, pela irmã que o acolher, pelo médico que se dispõe a escuta-lo e por ele mesmo que se deixa contar. Mesmo que não entendamos, ou consigamos explicar o que sentimos por ele, acredito que devemos acolhe-lo. Ele é um menino de 16 anos e não poderíamos esperar que seus devaneios meio loucos se realizassem apesar de serem s expectativas que o livro nos leva a ter, seu fim foi como o de um adolescente de sua idade seria no mundo real.
Percebo que ao final dessa incrível experiência o quanto esses quatro encontros foram importantes para mim, me diverti muito e o meu objetivo inicial que era reascender a vontade de ler, posso garantir que foi atingido. Espero poder participar novamente e voltar a sentir tudo que senti por um livro e ter essa troca de experiência tão rica como tive. Foram momentos de diversão e leveza nessa rotina pesada do EaD, e agradeço muito aos meus amigos que me falaram sobre a eletiva e ao professor Dante que foi incrível ao ouvir o que tínhamos pra dizer e nos ajudar a interpretar. Com certeza saio dessa eletiva com um apreço ainda maior por discutir livros.
Meu muito obrigada !!!
* Textos enviados como relatos de experiência (final de curso) do Laboratório de Humanidades da graduação do campus São Paulo da UNIFESP, disciplina eletiva ofereida pelo CeHFi.