“Toda vez que eu disser: Lalande, você deve sentir a viração fresca e salgada do mar,
deve andar ao longo da praia ainda escurecida, devagar, nu. Em breve você sentirá Lalande...” p. 166
Não acredito que me permiti retornar à esta paixão:
O lugar dos encontros: tudo velho e precioso, e bonito e delicado e com tanta coisa para contar!... Subir a escadinha e chegar... Entrar na casa antiga, cuidada, amada e pequena, e sentar-me à roda com pessoas afáveis e tão frágeis. A conversa, o aprendizado e a confiança. A vida brilhante aqui dentro, cheia de diferenças e comunidades. Tão bom!...
Bem diferente das outras leituras solitárias que tenho que fazer na minha vida acadêmica, a leitura de Clarice foi livre, solta, enviesada, fazendo brechas em minha rotina, me tirando do lugar e encantando com as outras presenças e entendimentos.
Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que se ganha??
Assombroso! Coisas podem acontecer sem ter sido inventadas, como quando o pai morreu: o fio da navalha percorrendo o fígado e os outros órgãos...
... escadaria, leques, roupas de seda e cetim, um homem sorrindo ao longe e o belo vestido que se rasgará...
A mulher da voz... as mulheres da voz; ela se pegou (e se surpreendeu!) falando com uma dessas vozes/timbre/entonação de mulher jovem, recém-casada. Sensibilidade... Seria mesmo esta a sua voz?! A mulher da voz não lhe deu importância, nem um olhar... e nem, se quer, aceitou a sua visita!
Clarice... Uma mulher daquela época! Pensei que eu pudesse ser uma Lídia (ou que eu tivesse que ser). Tão certinhas! “Tímidas fêmeas do homem” para o mundo parecer mais calmo. Contudo, sou muito mais Clarice do que eu imaginava! Com os meus pensamentos e sentimentos, a minha imaginação, a minha liberdade, abandonos, enganos, solitude, perplexidades e felicidades. “Ana” não consegue ser “Joana”, tampouco “Joana” consegue ser “Ana”. Sou Joana, sou Clarice, e o meu amor está tão perto do coração selvagem, tão perigoso de se rasgar o vestido e, a qualquer momento, sem eu inventar a lâmina fria pode encostar no meu coração quente...
No entanto, também sou Ana pois, por mais que sentisse falta de ser Joana, acho que eu também teria retornado naquelas circunstâncias, teria fugido do jardim. Acontece que eu não andei tão longe, não estou tão perto assim da mulher da voz, então não preciso retornar. Vou pegar o navio... “Onde se guarda a música enquanto não soa?”
“...abafado como em sonho, galinhas arranhando a terra. Uma
terra quente, seca... o relógio batendo tin-dlen... tin... dlen...
o sol chovendo em pequenas rosas amarelas e vermelhas sobre as casas...
Deus, o que era aquilo senão ela mesma?
mas quando?
não, sempre... p. 185
Nelizabete Alves da Silva Dias
Relato LabHum 2° semestre de 2024
Textos: Amor (conto) / Perto Do Coração Selvagem (livro), de Clarice Lispector