Não há certo ou errado, questionamentos não são respondidos...

Relatório de convivência do Laboratório de Humanidades
Livros: Hamlet e Rei Lear - Shakespeare

Confesso que começo a escrever este relatório com dificuldades em expressar e interpretar as experiências que vivi no LabHum. Essa foi a minha primeira vez, tanto no laboratório, quanto cursando uma disciplina da área de humanas. Os outros cursos são baseados em críticas de artigos científicos, discussão de casos clínicos (...) e escrever sobre isso me parece mais fácil, analisamos parâmetros do que é certo e errado ou cientificamente falando, se é estatisticamente significante ou não.


E então, me confronto com uma disciplina onde não existe certo ou errado, que após os encontros os questionamentos não são respondidos, e ouvir as experiências de outros colegas despertou em mim um lado que não conhecia. Penso que se tivesse lido Hamlet fora do contexto do LabHum, não teria percebido as tantas dores vividas por ele além da tragédia anunciada.

Ler Hamlet para mim foi tedioso, foi difícil a estrutura de ler uma peça, e então, antes das aulas iniciarem, foi quase que uma leitura vertical, com o intuito de “acabar com o livro”. E então, os encontros foram acontecendo e eu me interessei em fragmentar o livro a partir das percepções dos outros, e então pensava “nossa, é mesmo! ”. Apesar de eu ter relido alguns fragmentos, ainda sim a história não me tocou tanto, Hamlet me parece um personagem que não se instalou na realidade em que vive, exigiu para si que o mundo valorizasse a sua dor. Afinal, esse fantasma existia ou não? Eu acho que sim, mas ainda após a descoberta da verdade, a vingança jamais traria de volta o seu pai ou preencheria a dor do vazio. Preencheria o seu ego que talvez fosse o suficiente, e a sensação do dever cumprido. A morte do fantasma era mais do que o seu pai, era o rei. E Hamlet tinha que defender a Dinamarca. Ser ou não ser? Hamlet foi. E pagou o preço por isso.

E então progredimos (com muitos desejando mais dias de Hamlet) para o Rei Lear. Esta experiência foi diferente, aproveitei a história, fiz muitas anotações no livro – eu sou o tipo de pessoa que puxa seta e anotações no livro, sem dó ou receio que a sua aparência vá ficar feia.

Mas será que a tragédia era maior e a história mais densa ou era outra Marilia lendo o livro? Fico com a segunda teoria, ainda assim não serei capaz de aprofundar críticas a história como os outros colegas, que reflexivos ficaram com a história da fita métrica ou da música do pedaço de couro.

O rei Lear era um mimado. Sua dependência afetiva o deixou cego. Existe uma descrição muito interessante sobre as motivações das camadas da personalidade, que foi adaptado em um texto curto por Olavo de Carvalho. Lendo rei Lear, é fácil perceber que o rei está na 4° camada. Um sujeito carente, onde a sua motivação é agradar a todos, e quando ele não é agradado (no caso, não foi com a ênfase que gostaria) usa do poder para que a sua vontade prevaleça. Um sujeito que ao longo de uma vida não entendeu que o mundo não gira em torno do seu umbigo e não tolera frustrações. E então, o amargo de sentir que a sua filha não o amava como ele gostaria o levou a maior tragédia: dividiu o seu reinado de forma tempestiva e viu a sua filha amada morrer na sua frente. Aprendo com essa história que temos que matar o rei Lear que mora dentro da gente, que ser rejeitado dói, mas passa e faz parte da vida. Temos que trabalhar a nossa personalidade para nos tornarmos úteis, fortes e ratificar a vida, e se formos abençoados aos 80 anos.

Texto escrito por Marilia Graziela Alves de Souza, aluna do curso de pós graduação da disciplina de pediatria.

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