"Então, quero montar minha cabana de modo que ela seja um lugar para descanso de férias, ao invés de um lugar de refúgio permanente da sociedade caótica. Para isso , devo alimentar minha mente com autoconhecimento ."
Histórias de Leitura - Reflexões sobre o livro “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J.D.Salinger.
Por Nicolle Siqueira Leme da Silva – Medicina 3° ano - Setembro de 2020.
É difícil iniciar um relato de leitura que seja compatível com a grandiosidade do que podemos experimentar no LabHum. Humildemente, começo por afirmar que compreendo Holden. Não totalmente, dado que o ser humano é complexo, porém, partilho com o personagem alguns sentimentos.
Em primeiro lugar, ressalto que gostaria de ir para uma cabana, localizada junto à natureza, sempre que o cotidiano desperta em mim alguma inconsistência. A cabana seria um lugar de “respiro”, em que eu poderia pensar, enquanto tomo uma gloriosa xícara de café. Também, leria todos os livros possíveis e observaria o pôr-do-sol, junto aos meus gatinhos, que aproveitariam a liberdade campestre. Ademais, poderia pescar nadar e olhar para o brilhante céu noturno. Contudo, isso exigiria muita coragem e também outros tipos de ferramentas. Dessa forma, meu lugar de calmaria é apenas metafórico. Acredito que a cabana do Holden também o era, porque partir para lá é mais difícil do que parece. Isso acontece, pois temos funções sociais de filho e de estudante, dentre tantas outras que não podemos simplesmente abandonar. Assim , estamos “presos” até que alcancemos nossa independência financeira e , talvez, afetiva . E, mesmo que as conquistemos, ainda há o trabalho, outro elemento que nos aprisiona e que, não raro, nos sufoca.
Na quarentena, tudo foi muito difícil. Tive que enfrentar aulas chatíssimas, embora sentimentos de vazio e de anedonia me preenchessem. Com isso, fui sufocada pela toxicidade do excesso de obrigação . Nesse abismo, eu caí alguns dias, sem que minha cabana metafórica estivesse consolidada. Por isso, eu estava frágil não sabendo lidar com inúmeras incertezas, nem com a sensação de que minha vida estava sendo vivida errada. Sentia que havia algo muito maior do que eu e do que todas as pequenas coisas banais que eu fazia. Isso é bobo, eu sei, pois a maioria das pessoas só vive, sem pensar, e desfruta de ações que lhes conferem pequenos prazeres. Para eles, isso é o suficiente. Mas para mim, nada tem sido reconfortante ao ponto de me fazer sentir completa.
Foi assim que cheguei ao LabHum. Na verdade, quase não cheguei, pois perdi as duas primeiras reuniões e, depois, fiquei com vergonha de aparecer do nada. Todavia, minha amiga me contou o quanto à experiência de participar dos encontros foi boa para ela e me encorajou a participar. Então, mandei um e-mail para o Yuri, com muita culpa e vergonha, mas ele foi super simpático, dizendo que eu poderia participar das atividades. Terminei a leitura que eu já tinha começado e isso foi muito rápido, pois minha curiosidade foi aguçada pelas desventuras de Holden e pelo fato de minha identificação com o personagem ter crescido exponencialmente.
Nesse cenário de emoções afloradas, senti que minhas falas não foram muito consistentes nas reuniões. Isso me deixava chateada, visto que eu sabia o que dizer, mas não conseguia me expressar adequadamente. Contudo, esse sentimento foi se dissipando, à medida que as discussões me agregavam reflexões muito proveitosas para mim mesma.
Assim, me vi no Holden e, dessa forma, concluí que não gostaria de acabar como ele, apesar de todas as dificuldades que eu tive em cumprir com as tarefas acadêmicas. Como uma espécie de “Holden maduro”, aprendi que preciso ponderar e ir além, ao mesmo tempo. Afinal, não quero morrer lutando gloriosamente por uma causa, pois me contento em viver humildemente por ela. Então, quero montar minha cabana de modo que ela seja um lugar para descanso de férias, ao invés de um lugar de refúgio permanente da sociedade caótica. Para isso , devo alimentar minha mente com autoconhecimento . No LabHum , aprendemos isso ...autoconhecimento e compreensão sobre o outro . Lá podemos refletir e deixar de lado o mecanicismo que provém das incontáveis obrigações diárias . Assim , não cairei no abismo , pois minha cabana é segura . Ela é feita de pensamentos positivos, descobertas sobre mim mesma e sobre o mundo, reflexões, leituras, de afeto e de coragem. Não é fácil construí-la, porque há o sufocamento do tanto a fazer, em contraste com a escassez de experiências lá de fora e de aqui de dentro, da mente e do coração. Mas quando a cabana estiver pronta, poderei me abrigar. Ela é uma “apanhadora”, que está lá para me segurar, mesmo que eu tropece à beira do abismo.