"Fiquei maluca, pois não deixo de pensar em quantas vezes julguei mal outros Holdens, sem sequer dar uma chance de conhecer a sua narrativa. Fiquei maluca, pois entendi a sensação de achar que vou desaparecer na próxima esquina, e quis sair por aí apagando as pichações nos muros da cidade. Fiquei maluca, pois assim como Holden, eu sou muito mais complexa do que eu esperava."
Por Giulia Scomparim *
Set/2020
Holden e eu não fomos bons amigos. Desde o início, ele foi irritante e grosseiro, o que me trouxe muita raiva. Aos olhos de Holden eu sou a maior careta, uma chata, e somos opostos um do outro. Mas ele me fez pensar em muitas coisas…
Holden me fez perceber que as pessoas são complexas, um emaranhado de sentimentos, histórias, traumas e fatores, que nos guiam e refletem em nossas personalidades. E no final das contas, ele deixou de ser tão insuportável… Mas tive de conhecê-lo duas vezes para notar que, de certo modo, até me identifico com seu jeitinho.
Meu erro com o Holden foi julgá-lo muito rápido. E talvez ele não tenha sido o único a passar pelo meu “scanner de avaliação”, e ser friamente rejeitado… Isso é algo que eu faço, que a maioria das pessoas faz, e admito que é um problema. Odiei o Holden antes mesmo de tentar compreender a sua ansiedade, seu sofrimento, e toda a angústia da sua adolescência. Reprovei suas ações e pensamentos sem analisar a sua história… Mas, talvez, viver na busca pela autenticidade, em uma rotina quadrada, tendo de lidar com as perdas e as dores da sua realidade, realmente te torne um grande maluco. E Holden é meio maluco. Maluco, mentiroso, indeciso, depressivo… Tudo isso que cada adolescente já foi um pouco. Mas é um erro dizer que Holden é apenas um adolescente. Pois nada, ninguém, pode ser descrito como só uma coisa, e temos de saber enxergar isso.
Ao me contar a sua história, Holden me mostrou que entender o outro é entender a si mesmo. A sua inquietude juvenil traz questões muito mais intensas do que eu poderia esperar. A capacidade de enxergar o mundo na sua profundidade é o que o torna tão sensível. Afinal, viver na superficialidade é sempre mais fácil do que encarar as coisas em sua totalidade. Mas Holden sabe que o mundo é pura maldade e depravação, e não é atoa que ele tenta agarrar todas as almas inocentes e autênticas antes de elas serem corrompidas.
É fato que ele está perdido. Há uma enorme necessidade de apoio e direcionamento. Ele precisa conhecer o tamanho da sua mente, aceitar seus traumas e amadurecer. Mas o quanto ele está disposto a isso? O quanto não é doloroso viver, sabendo que uma das poucas coisas que se gosta está morta? Que as pessoas são superficiais e que o mundo é um imenso “foda-se”? Que todos os seus esforços para salvar as almas dessa maldade são em vão? É por isso que Holden é maluco. E talvez eu tenha ficado maluca também.
Fiquei maluca, pois não deixo de pensar em quantas vezes julguei mal outros Holdens, sem sequer dar uma chance de conhecer a sua narrativa. Fiquei maluca, pois entendi a sensação de achar que vou desaparecer na próxima esquina, e quis sair por aí apagando as pichações nos muros da cidade. Fiquei maluca, pois assim como Holden, eu sou muito mais complexa do que eu esperava.
Eu cogitaria até aceitar um convite dele para fugir... Eu iria para algum lugar frio, seria caixa de supermercado ou atendente em algum consultório, e passaria minhas noites tomando chocolate quente na varanda de casa. Eu não teria de me importar com a maldade, com a tristeza, com o assédio, e toda essa palhaçada que corrói a gente. E, pensando bem, será que eu estou realmente maluca por querer isso? Pra ser sincera, começo a pensar que Holden é a pessoa mais sã que eu conheço. O mundo é uma loucura, e querer fugir disso, em partes, é sim um sinal de sanidade.
Holden e eu não fomos bons amigos. Mas acho que terei de conhecê-lo mais vezes, antes de decidir quem é o louco nessa história.
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Gostaria de agradecer ao LabHum e aos seus responsáveis por essa oportunidade incrível. Tive meus receios de não gostar da forma como a eletiva seria conduzida, mas me surpreendi com o resultado. As discussões realizadas permitiram um nível de compreensão da obra que eu jamais alcançaria sozinha. Poder expressar sua interpretação e ter a possibilidade de ouvir as demais perspectivas, realmente muda o processo de como enxergamos cada história. A releitura é outro fator excepcional, nunca pensei que essa fosse uma jornada de autoconhecimento, mas agora vejo como ela impactou minha realidade. Realmente essa é uma UC que eu indicaria para qualquer pessoa, e se possível, faria novamente. Nossos encontros, mesmo que virtuais, foram enriquecedores em muitos sentidos, e essa experiência me trouxe sentimentos muito bons. Neste momento em que tudo está um caos, oportunidades como essa são raras e muito especiais. Gratidão!
* Aluna do Laboratório de Humanidades (disciplina eletiva) do CeHFi-Unifesp. Texto apresentado como relato final de conclusão do ciclo.