Diário de bordo Farenheit 451 de Ray Bradbury

flameDiário de bordo Farenheit 451 de Ray Bradbury

por Maria Teresa Mendonça de Barros

Saio um pouco tonta e desorientada da Salamandra Vermelha, chamuscada por um último jato da grande víbora cuspindo querosene e apesar do tempo de desintoxicação que consegui ao atravessar o rio e percorrer a floresta para encontrar meu novo grupo e, quem sabe, meu novo sonho.

Não foi só Montag que desarmou o sorriso feroz e descobriu que seus olhos servem também para olhar a realidade sob uma nova ótica, de um novo ponto de observação. Eu também  mergulhei no meu mundo interno, em busca de meu recanto favorito no jardim secreto do meu eu para refletir sobre o existir e o que fazer quando se atravessa um tempo soturno, desesperançado, carregado de ironia, agressividade e falta de orientação.

Clarice atravessou o caminho de Montag, Farenheit 451 e o Labhum atravessaram meu caminho e mais uma vez, em mais um Labhum, chego a sair tonta dos encontros de tantas reflexões, de tantos olhares em tantas direções, que preciso depois de um tempo para poder organizar tudo.

O primeiro choque veio na leitura. Já vira o filme há muitos anos e foi um daqueles filmes que a gente não esquece que assistiu, embora muitos detalhes tenham virado fumaça na neblina dos anos. A assustadora semelhança com muito do que vivemos hoje invadiu as paredes da minha consciência, como se fossem telões, só que não voltados para transmissão de fantasia e sim para ver o caminho que percorremos dentro de uma sociedade cada vez mais iludida e alienada, em uma jornada sem sentido, sem registro, indiferente ao que existe ao redor. E o que falar da violência? Da banalização da morte? Da espetacularização da vida projetada e acompanhada pelas redes sociais. E olha que Bradbury nem sabia de tudo isso!

Os sentimentos pelos personagens são confusos, as percepções turvas: ter compaixão ou raiva por Mildred?  E Beatty, será que realmente detestava os livros, ou detestava gostar deles? Faber é covarde ou é para ser admirado? Montag me passa pena, espanto ou admiração? Os caminhos da descoberta de um sentido são sempre espantosos e inesperados. 

As discussões mais uma vez foram surpreendentes. Eu não tinha me atentado para o fato de que realmente Bradbury foi capaz de pensar o futuro de muitas coisas na sociedade, mas não atualizou o papel feminino. Será que ele tinha problema com elas, tirando a musa que o  inspirou? 

Outro ponto que trouxe muita angústia foi a constatação da vida atropelada da cidade grande em sua ânsia de absorver tudo, esgotar tudo para poder dar conta. Vivemos mergulhados em um redemoinho de atividades e tem horas que me sinto sugada para dentro de um vácuo coletivo. Retomo as imagens das viagens de metrô com os microfones aos berros anunciando alguma coisa. É diferente dos ambulantes que invadem os vagões gritando um texto decorado para vender tudo o que é quinquilharia?

 E o uso por vezes questionável do uso da tecnologia? O sabujo é um precursor das câmeras acompanhando nossos passos, do rastreamento de nossos dados e do uso de algoritmos para prever como “caçar” o seu alvo? Ou é um alerta de que a máquina pode fugir do controle do homem. Lembrei muito da aranha gigante que ameaça a passagem de Frodo em O senhor dos anéis. Muita coisa para pensar

Mas a esperança sobrevive como uma borboleta que cruza o caminho já do outro lado do rio. Acredito que a crise tanto traz a possibilidade de crescimento quanto a de rebaixamento ou adoecimento. Quando se sente desencaixado das relações, a boa surpresa pode ser encontrar outros desencaixados. E aí, quem sabe, vamos poder fazer algo, mesmo que seja uma revolução praticamente silenciosa. Podemos aprender a sentir de novo e encontrar quem nos olha, olhar para a natureza que nos envolve. E como uma fênix renascer na esperança. O Labhum é um local de renascer e de se olhar.

Diário de bordo Farenheit 451 de Ray Bradbury

Saio um pouco tonta e desorientada da Salamandra Vermelha, chamuscada por um último jato da grande víbora cuspindo querosene e apesar do tempo de desintoxicação que consegui ao atravessar o rio e percorrer a floresta para encontrar meu novo grupo e, quem sabe, meu novo sonho.

Não foi só Montag que desarmou o sorriso feroz e descobriu que seus olhos servem também para olhar a realidade sob uma nova ótica, de um novo ponto de observação. Eu também  mergulhei no meu mundo interno, em busca de meu recanto favorito no jardim secreto do meu eu para refletir sobre o existir e o que fazer quando se atravessa um tempo soturno, desesperançado, carregado de ironia, agressividade e falta de orientação.

Clarice atravessou o caminho de Montag, Farenheit 451 e o Labhum atravessaram meu caminho e mais uma vez, em mais um Labhum, chego a sair tonta dos encontros de tantas reflexões, de tantos olhares em tantas direções, que preciso depois de um tempo para poder organizar tudo.

O primeiro choque veio na leitura. Já vira o filme há muitos anos e foi um daqueles filmes que a gente não esquece que assistiu, embora muitos detalhes tenham virado fumaça na neblina dos anos. A assustadora semelhança com muito do que vivemos hoje invadiu as paredes da minha consciência, como se fossem telões, só que não voltados para transmissão de fantasia e sim para ver o caminho que percorremos dentro de uma sociedade cada vez mais iludida e alienada, em uma jornada sem sentido, sem registro, indiferente ao que existe ao redor. E o que falar da violência? Da banalização da morte? Da espetacularização da vida projetada e acompanhada pelas redes sociais. E olha que Bradbury nem sabia de tudo isso!

Os sentimentos pelos personagens são confusos, as percepções turvas: ter compaixão ou raiva por Mildred?  E Beatty, será que realmente detestava os livros, ou detestava gostar deles? Faber é covarde ou é para ser admirado? Montag me passa pena, espanto ou admiração? Os caminhos da descoberta de um sentido são sempre espantosos e inesperados.

As discussões mais uma vez foram surpreendentes. Eu não tinha me atentado para o fato de que realmente Bradbury foi capaz de pensar o futuro de muitas coisas na sociedade, mas não atualizou o papel feminino. Será que ele tinha problema com elas, tirando a musa que o  inspirou?

Outro ponto que trouxe muita angústia foi a constatação da vida atropelada da cidade grande em sua ânsia de absorver tudo, esgotar tudo para poder dar conta. Vivemos mergulhados em um redemoinho de atividades e tem horas que me sinto sugada para dentro de um vácuo coletivo. Retomo as imagens das viagens de metrô com os microfones aos berros anunciando alguma coisa. É diferente dos ambulantes que invadem os vagões gritando um texto decorado para vender tudo o que é quinquilharia?

E o uso por vezes questionável do uso da tecnologia? O sabujo é um precursor das câmeras acompanhando nossos passos, do rastreamento de nossos dados e do uso de algoritmos para prever como “caçar” o seu alvo? Ou é um alerta de que a máquina pode fugir do controle do homem. Lembrei muito da aranha gigante que ameaça a passagem de Frodo em O senhor dos anéis. Muita coisa para pensar

Mas a esperança sobrevive como uma borboleta que cruza o caminho já do outro lado do rio. Acredito que a crise tanto traz a possibilidade de crescimento quanto a de rebaixamento ou adoecimento. Quando se sente desencaixado das relações, a boa surpresa pode ser encontrar outros desencaixados. E aí, quem sabe, vamos poder fazer algo, mesmo que seja uma revolução praticamente silenciosa. Podemos aprender a sentir de novo e encontrar quem nos olha, olhar para a natureza que nos envolve. E como uma fênix renascer na esperança. O Labhum é um local de renascer e de se olhar.

Maria Teresa Mendonça de Barros

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