Esta foi a minha primeira experiência com Dostoiévski. Ainda que eu goste de literatura e de, sobretudo, ler, jamais havia tido o ímpeto de iniciar uma obra do autor por sempre ouvir que se tratava de uma leitura complexa, por mais vaga que tal afirmação possa parecer. Mas, honestamente, após ler “O sonho de um homem ridículo", devo confessar que concordo. Contudo, acrescento que Dostoiévski não é para se ler “sozinho” e tal contestação se dá pela minha vivência na eletiva. Ouvir a opinião e as impressões dos colegas de turma e dos professores mudou o meu contato com a história.
Ainda que aquilo que sentimos seja “nosso”, um livro como este, com tantas e amplas interpretações, sempre nos causa novas e diferentes sensações a partir do relato de experiência do outro. Nas minhas leituras, eu que muito me prendi ao fato de tentar entender o porquê de o protagonista sentir que estragou os habitantes da Terra de seu sonho, acabei por inferir que talvez a ideia do autor fosse essa mesmo: ainda que não saibamos exatamente o que fizemos de ruim, ou de então sentirmos que não fizemos nada, por estarmos presentes, somos responsáveis pelas conjunturas sociais que nos cercam. Afinal, dentro de cada cotidiano e vivência, entre aspas, quantas são as criancinhas que deixamos de socorrer? Em outras palavras, o quanto do mundo ser assim, tal como é, o quanto de as pessoas serem e agirem de tal maneira, como são e agem, não nos é uma responsabilidade também, uma vez que a gente se relaciona com esse todo?
Passei alguns dias pensando sobre isso - sem chegar exatamente a uma conclusão - e, durante o encontro, percebi que meus colegas trouxeram outros pensamentos, além de associações históricas bastante enriquecedoras. Dessas diferentes ideias partilhadas criou-se uma discussão sobre como talvez devêssemos pensar menos a respeito de uma definição ou motivo para coisas como a felicidade ou a vida. Que talvez, no fim das contas, seja mais enriquecedor o viver ou o ser feliz de fato, do que pensar antes no que isso, de forma científica ou até materializada, implica, pois quem sabe, a vivência importe mais do que o conhecimento da vivência. E isso me foi um balde de água fria revigorante. Eu que passei o livro quase que inteiro confabulando a respeito de porquês e mais questionamentos em uma primeira leitura, fui para a segunda de maneira diferente, sentindo que, na realidade, talvez aqui não tanto importariam os meios que levaram o personagem a tal condição, mas fundamentalmente, o fim e onde ele chegou, pois lá está ele, indo atrás de socorrer a menina, diferentemente do que fez no início.
No fim de tudo, creio que a ideia da responsabilidade da convivência que eu atribuí ao livro seja mais subjetiva do que talvez o autor tenha planejado inicialmente. Por outro lado, objetivamente, a responsabilidade do conviver, do partilhar e do ouvir histórias e de nos conectar com outras experiências e conhecimentos faz do LabHum, em si, o grande triunfo de uma leitura em grupo que é, para mim, enxergar que multiplicidades tocantes ao íntimo de cada integrante podem ajudar a construir experiências, sentimentos e compreensões mais ricas e plurais sobre obras, por si só, complexas.
Obrigada pela ajuda na leitura!
Tainara R. Martins
Estudante do curso de medicina
Texto entregue como trabalho da disciplina eletiva Laboratório de Humanidades
* Ilustração: cena do filme O Sonho de um Homem Ridículo de 1992