E eu descobri a face oculta da lua...

a face oculta da lua por Ieda AleluiaArte por Iêda Aleluia

Relatos do ciclo Descobrindo o Humano com a ajuda do Diabo, discussões sobre o livro: O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov.

Textos de Iêda Aleluia, Luana Camargo e Marília Batista Costa.


E eu descobri a face oculta da lua...
por Iêda Aleluia

Ler esse livro foi um desafio, na verdade, foram alguns desafios. Desafio de mudar de referencial, de olhar outras possibilidades de história, como ao ver o filme de Scorsese: A Última Tentação de Cristo. E se a história fosse outra? E se os caminhos fossem diferentes? E se a tentação fosse apenas parte do humano? Várias perguntas me atravessaram durante a leitura, e várias sensações e emoções também.

Não conhecia o livro, nem o autor, e encontrei um grupo onde pessoas já tinham lido, e até uma que o considerava como o livro da vida dela. No início eu não entendi muito bem o porquê, mas as histórias de cada um me fizeram entender a razão de que este livro realmente pode ser o livro de vida de uma pessoa.

O início é estranho. Aliás, todo o livro causa uma espécie de estranheza, pois nos lança na sombra. Nos força a sermos testemunhas das sombras dos personagens, e consequentemente nos leva a olhar para a nossa. Nos força a nos perguntarmos se não faríamos o mesmo em situações semelhantes. Seríamos tão ambiciosos, tão mesquinhos, tão covardes? Mas também seríamos tão corajosos e audaciosos para aceitar, e viver, nossas paixões? Em nos libertar de pesos e convenções? Em pagar o preço das nossas escolhas conscientemente?

Acho que no final o livro me falou de amor, de desespero, de cansaço, de desilusão e desencanto. Mas como ouvi recentemente, para Jung o desencanto é uma pré condição para o re-encantamento. Se desencantar é também a possibilidade de abrir uma via para se encantar novamente, de uma forma criativa; uma das vias da individuação. Acho que esse livro pode ser essa possibilidade: desencantar para encontrarmos um novo encantamento, não ingênuo, não fantasioso, mas pleno de significado. E quem sabe esse não é o papel do diabo: nos obrigar a desencantar, a sair de uma ilusão?
Nunca imaginei o Diabo assim, tocado pelo amor de Margarida pelo Mestre, reflexivo nas fraquezas que podem ser fortalezas. O Mestre e Margarida alcançam a paz, e não a luz, mas talvez seja exatamente isso que eles precisam: um lugar de paz para ficarem juntos.

E talvez, o que este livro me falou foi da necessidade de fazer uma reflexão melancólica sobre a vida nesta terra. Sobre minhas sombras e desejos, sobre minha relação com a luz fria da lua que ilumina docemente os caminhos, e mostra um lugar de paz para mim também. Fiquei pensando que gostaria dessa compaixão do Diabo, para me dar esse lugar de paz na morte, caso eu não vá para o céu. E fazer essa reflexão em grupo foi uma experiência intimista, mas de muita partilha, de muita alteridade. Poder falar de coisas e pensamentos tão pessoais, porque o grupo é acolhedor.

O início foi meio estranho, mas o livro me cativou. Quem diria que eu iria me comover com o Diabo e com seus assistentes!

Adorei fazer a cavalgada e descobrir a face oculta da lua!


"Gato, olhar, diabo e medo"
Por Luana Camargo

Vi a capa e me incomodei
Gato, olhar, diabo e medo
Comecei o livro
Quem é quem?
Bezdômny ou Ivan?
Entendi, ri, li
Raiva do estrangeiro, raiva do diabo

Sarcasmo, morte
Pôncio Pilatos
Arrependimento, culpa
Julgamento de Cristo
Existe?
Desculpe, não posso acreditar
Manuscritos não ardem

Ruiva nua
Gato (da fala nua)
Sobrenatural, mas tão natural
Hospício é para louco ou para todos?

Eu me apaixonei pela Margarida
Liberdade, beleza, vôo
Feminismo
Que o grupo vê
Margarida que morre, mas voa

Lua cheia primaveril
Gente que é porco
Porco que é gente
Satanás que faz baile
amor pela bruxa
amor pelo diabo
sou bruxa, sou diabo
sou espíritos que viajam

o mestre não mereceu a luz, mereceu paz
o grupo mereceu o livro


Manuscritos não queimam
Por Marília Batista Costa

Inicialmente gostaria de agradecer a oportunidade de participar das aulas do LabHum. A matéria foi enriquecedora e extremamente proveitosa, pois me fez aprofundar na obra e refletir sobre pontos que não havia atiçado durante a leitura. As trocas de experiências durante as aulas são incríveis e com certeza serão lembradas toda vez que reler ou comentar sobre o livro. Além disso, acabei adquirindo o hábito da releitura. Sempre pensei que seria “perda de tempo”, já que poderia estar iniciando outro livro, porém os benefícios foram evidentes no estudo da obra.

Especificamente sobre o livro, durante a leitura dos primeiros capítulos, senti um certo incômodo pelas atrocidades provocadas pelo diabo e senti que não iria gostar do livro. Porém, após aceitar esse desconforto inicial, comecei a considerar os pontos trazidos pelo autor. No início achei cômico o fato de Mikhail Bulkákov revelar uma sociedade descrente ao ponto de o próprio diabo ter que defender a existência de Deus. Porém, ao mesmo tempo que não creem, sempre usam termos como "vá para o diabo". Além disso, comentaram na aula algo que eu não tinha observado: o fato de Ivan, mesmo "ateu", após presenciar a trágica morte de Berlioz, entrar numa casa e pegar um símbolo religioso e colocá-lo ao peito demonstrando que no fundo ele crê, porém talvez a sociedade da época o reprimia.

O contato com o diabo traz caos. No entanto, com o tempo percebi que o diabo não transformava a índole de ninguém, apenas revelava algo intrínseco do indivíduo. Isso demonstra a dualidade que existe dentro de cada um de nós. Todos possuímos um lado bom e um lado sombrio. O diabo apenas realçava o lado sombrio das pessoas. O escritor aproveita isso para desnudar os defeitos e, indiretamente, criticar a sociedade materialista da época. Isso fica nítido na apresentação de Woland no teatro, quando ele apenas proporciona os desejos íntimos das pessoas.

Outro ponto que me fez refletir bastante foi sobre o que é a loucura. Muitos que tiveram contato com o diabo foram considerados esquizofrênicos. Como sabíamos da narrativa completa, nós "compramos" a história. Porém, quem não teve contato com o diabo só pôde deduzir "loucura" como explicação racional. Mesmo quando várias pessoas começaram a agir de forma estranha, tentaram racionalizar usando como justificativa uma "hipnose coletiva".
Sobre o mestre, achei esse nome pouco apropriado. Não achei ele protagonista do livro e, durante a leitura, achei que ele não soube lidar com a censura, o que ficou algo maçante. Demonstrou não ser uma pessoa resiliente, o que me gerou certa antipatia com o personagem. Já Margarida, eu adorei o jeito livre dela fazer o que queria, mesmo tendo um “casamento dos sonhos” ela largou tudo em nome da sua felicidade. Só que também me incomodou o fato de ela fazer tudo e até "entregar a alma para o diabo" pelo mestre, personagem que a meu ver não valia isso tudo. Porém, após as discussões nas aulas, percebi que o livro traz esse lado humano e imperfeito das pessoas e que cada um tem um “preço”.

Enfim, no início o livro me provocou certa repulsa, mas, após as discussões nas aulas, comecei a ver as outras facetas da narrativa e a releitura ficou mais interessante e instigante. As frases que mais me marcaram foram: "Covardia é o pior dos defeitos" e "Manuscritos não queimam".

Agradeço muito a oportunidade e espero conseguir participar nas próximas turmas.

 

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