Duas Viagens, por Laise Nucci

Trabalho de conclusão de disciplina

Foram duas viagens impressionantes. A primeira, o regresso, a segunda, uma viagem sem volta. Tanto uma quanto a outra, viagens de transformação.

Ao acompanhar Ulisses em sua Odisséia, a experiência foi justamente poder perceber o quanto a ausência pesa e se faz presente. Ulisses tinha um objetivo, sabia onde queria chegar, tinha foco.

Durante todo tempo em que buscava regressar, encontrava forças para superar os obstáculos justamente na certeza de que tinha quem esperava por ele. Existia o amor que encontrava correspondência na esposa e no filho.

Com Dorian, a história foi bem outra, ele não tinha amor, não tinha vínculo, seu único objetivo era preservar a beleza, a aparência. Não se relacionava, ou melhor, até existia uma relação com Lord Harry, porém era uma relação sem muito propósito, da parte de Dorian. O mais importante era o prazer, viver a vida.

Minha reflexão neste semestre no laboratório de humanidades relaciona-se com o meu trabalho. Há 20 anos ingressei na área de Recursos Humanos e me interessei cada vez mais por desenvolvimento organizacional.

Minha experiência foi construída em hospitais, sendo que estou a 14 anos no Hospital São Paulo. Quando penso nos profissionais da saúde, um fator me traz muita inquietação, a questão do adoecimento de quem deveria produzir saúde.

As taxas de adoecimento dos profissionais é muito alta e duas queixas prevalecem sobre as demais de forma muito significativa, que são: Depressão e doenças osteomusculares.

Tive a oportunidade de ouvir muitos profissionais em diferentes momentos da carreira e muitas coincidências são pontuadas, como por exemplo, a escolha da profissão. Geralmente existe uma espécie de ideal quando mencionam esta escolha, os obstáculos que tiveram que superar e as resistências encontradas.

Mas com o passar do tempo, parece que este momento de escolha vai ficando tão distante que o profissional segue por dois caminhos: ou ele sofre junto com o paciente, provavelmente por se sentir impotente no alívio da dor, ou toma o caminho oposto que é o de enrijecer-se como forma de distanciar-se do sofrimento. No primeiro caso, muitas vezes a conseqüência é a depressão e no segundo, manifestações osteomusculares.

É preciso esclarecer como relaciono esta reflexão sobre o trabalho com Ulisses, Telêmaco, Penélope, Dorian, Harry e Basil: Penso que a vida se completa, ou melhor, se afirma, quando tem objetivos, um porquê, uma razão de ser.

Na Odisséia, o “onde quero chegar” é muito forte. Ulisses queria voltar para casa e isso é muito claro para ele. Supera obstáculos, enfrenta grandes batalhas, perde amigos, chega a perder todos os seus bens materiais. Em alguns momentos seu empenho fica até enfraquecido, porem, mesmo envolvido por prazeres retorna a seu objetivo.

Telêmaco por sua vez, vai construindo o seu objetivo que é encontrar o pai. E Penélope tem como objetivo manter a condição de quem espera e trabalha nisso, manter a situação é tão importante que desfaz à noite o que teceu durante o dia, mas ainda sim o trabalho está presente, mesmo que seja desfazendo-o.

Quando penso em Dorian, não consigo perceber que a sua vida tivesse um significado que não fosse manter a juventude aparente, manter a embalagem, provavelmente porque a falta de conteúdo fosse insustentável.

Dorian e Harry não tinham realizações, nem objetivos que não fosse o puro prazer, não conheciam o amor. Existia entre eles uma relação de interesses. Já Basil, amava Dorian, se não a pessoa em si, uma figura idealizada, mas ele construía, sentia, enfim, tinha algo dentro de si que expressava pela obra.

Foi falado no laboratório sobre a questão de viver um estado de tensão entre o bem e o mal e eu acredito que esta tensão é amenizada quando colocamos mais dois pontos: à frente, o objetivo e atrás a obra realizada. Valorizar cada passo dado em direção ao norte escolhido, sabendo que a tensão entre o bem e o mal sempre vai estar presente.

Ao acompanhar as personagens dos livros trabalhados neste semestre, pude me identificar com cada uma delas e perceber o presente que é a vida. Se em determinados momentos as coisas não acontecem da forma que desejo, em outros fica claro o quanto as escolhas determinam os resultados. A minha relação com as pessoas a minha volta me influencia e é influenciada por mim.

Há mais de dois meses meu filho escolheu sair do Brasil para buscar a realização de um sonho. Minha condição de mãe determina esperar e desejar que ele encontre a satisfação de seus sonhos. Minha responsabilidade enquanto mãe vai até certo ponto, não posso interferir nas escolhas do outro, mesmo que esteja falando do meu filho. Este é um ponto de tensão entre o bem e o mal, desejar que ele seja feliz, acredito que é o certo, desejar que ele esteja perto de mim, entendo que seja errado, minha escolha traz responsabilidade, quando escolho o que acho certo, tenho a responsabilidade, mas não tenho a culpa.

Este foi outro ponto que me fez pensar nas discussões do Laboratório: A Reflexão. Se existe o Bem e o Mal, como decido o que coloco de um lado e do outro? Esta escolha é definitiva? Penso que as respostas são relativas. Pois a transformação e evolução são constantes. Diariamente aprendemos e desaprendemos e é preciso estar atento para o novo e as necessidades de renovação.

No meu percurso profissional, encontro mais satisfação quando estou ministrando treinamentos e já faço isso há alguns anos, inclusive com boa avaliação por parte dos treinandos. Quando acontece uma boa avaliação, vem junto um fator crítico que é a acomodação. A vivência no laboratório de humanidades me provoca o desconforto, pois me sinto provocada a repensar minha forma de me expressar. Acredito que seja objetiva demais em minhas colocações e muitas vezes essas colocações não se sustentam. Esta percepção me provoca a repensar minha forma de expressão que pode, num momento ser adequada, mas que precisa estar “viva” e renovar-se.

Este momento de reflexão é baseado em fatos ocorridos, mas que me faz projetar posturas futuras, se assim for, a reflexão é posterior e anterior simultaneamente. Como no caso do chocolate: reflito num comportamento passado – comi o chocolate – mas ao mesmo tempo planejo limitar a repetição deste comportamento.

Tenho certa insegurança em me posicionar durante as discussões, mas sou insistente. Fiquei muito satisfeita quando meu pequeno texto foi para o Blog. Foi este incentivo que me fez decidir escrever agora – apesar de não ter idéia se o que apresento está dentro do esperado.

Estou no Laboratório há 3 semestres, agradeço muito a oportunidade de fazer parte de algo tão transformador, mas que respeita o tempo de cada um.

Muito Obrigada!

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