Relatório Final, por Cassia Yuri Asano

“É a relação que as palavras estabelecem com o contexto, com a situação de produção da leitura que instaura a natureza literária de um texto [...]. A linguagem parece tornar-se literária quando seu uso instaura um universo, um espaço de interação de subjetividade (autor e leitor) que escapa ao imediatismo, à predictibilidade e ao estereótipo das situações e usos da linguagem que configuram a vida cotidiana.” (Marisa Lajolo)

Sempre me interessei por literatura, cinema, música, arte pictórica; toda forma de expressão artística na verdade. As possibilidades de expressão através da arte superam muitas vezes nossa ínfima capacidade de nos expressarmos por meio das palavras. Poderia aqui concordar com Jacques Lacan, quando ele diz “... por que um homem dito normal não percebe que a fala é uma excrescência, que a fala é uma forma de câncer pela qual ser humano é atingido.”, mas minha natureza pouco medrosa, porém não adepta ao ideal do herói morto, ainda fica reticente quanto à crueza da afirmação.

Há tempos habituada ao uso de literatura e cinema para a compreensão do humano dentro da psicologia, me encantei com a possibilidade das novidades e descobertas que o uso da literatura fora do meio Psi poderiam trazer. E que encanto foi me deparar com algo novo daquilo que minha memória conhecia. A delicada, sutil e rica condução do Prof. Dr. Dante Gallian e a paixão questionadora e o amor à verdade do Prof. Dr. Rafael Ruiz Gonzalez transformam os caminhos do LabHum em algo único, precioso, humano, intenso, cheio de vida. Obrigada pela delicadeza e generosidade em nos doar tanto conteúdo, anos de estudo e verdadeira paixão pelo saber.

É evidente que toda bagagem teórica dos professores faz com que as belezas (ou não) do caminho não passem despercebidas, mas é o caminho que percorremos, construído pela individualidade de cada participante, que dá o tom nessa bela sinfonia. Entramos, saímos, voltamos por meio de tantas histórias de vida, de tantos sentimentos e complexidades. Juntos, “condutores” e participantes, mergulhamos em questões fundamentais da vida. Isso me lembra de um belíssimo livro psicanalítico que se chama “Companhia Viva” e que mostra que, longe de apenas teoria e técnica (não desmerecendo-as, evidententemente), a presença real e verdadeira do outro é fundamental para que possamos compreender e apreender algumas coisas. E acredito que é nessa convivência que reside o mais valioso do LabHum.

Lemos esse semestre o livro “Os anos de aprendizado de Wilhem Meister” de Goethe e a peça “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues. Sobre o primeiro, devo confessar que inicialmente me aborreci bastante. Não tendo compreendido muitas vezes a ironia de Goethe para com o romantismo, me rebelei com algumas passagens e com a sumária ingenuidade do personagem principal. Foi preciso todo um caminhar com o grupo para que eu compreendesse (ou, ao menos onde minha limitada compreensão pode me levar), que Goethe nos mostra quão tortuosos são os nossos caminhos, como estamos sujeitos a verdades que não são nossas (seja pela aderência de um ideal massificado ou pela oposição gratuita a ele), e portanto, como é necessária a educação dos afetos. A educação dos nossos sentimentos, do que nos afeta, a compreensão de como estamos no mundo e como o apreendemos.

Da mesma forma como somos incapazes de compreender a totalidade de um livro em uma primeira leitura, será que conseguimos compreender ou entendemos a realidade pensando apenas brevemente nela? Acredito que não. E essa certeza veio com o “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues. Divagamos em idas e vindas, entre os planos da alucinação, realidade e memória (utilizados na peça do autor) procurando uma verdade única e racional que na realidade é... impossível. Também percorremos os caminhos da amplitude do ser humano, principalmente pelas sombras das quais não nos orgulhamos, mas que apenas olhando para elas podemos aumentar nossa ação coerente na realidade. Coerente com nossos objetivos, nossos desejos, nossa real verdade. E que caminho tortuoso é encontrar essa verdade no meio de tantas verdades prêt-a-porter. O kit verdades prontas está aí, disponível, fácil, “selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado...”. É certo que questionar as verdades não é novidade alguma, muitos já reafirmaram essa necessidade. No entanto, questionar uma verdade só, abre apenas os caminhos que a própria mente questionadora percorreu. Questionar em conjunto abre inúmeros caminhos, como as ramificações dos galhos de uma árvore, cuja copa fica mais densa, maior e mais vistosa conforme se desenvolve. Se pudesse dar um nome para essa árvore, daria de humanidade.

Relatório Final do Ciclo de Encontros e Discussões
Por Cassia Yuri Asano
2012 - 1º Semestre

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