Os irmãos Karamázov - Relato de Débora Barros Trevisan

Daqueles livros que não se quer que termine logo. Daqueles que se espera sempre uma página seguinte. Daqueles em que nos identificamos.

Iniciei minha leitura da obra com ansiedade: o que afinal haveria de tão especial na escrita de Dostoiévski?

A forma como a conta ao leitor, o intrigando, irritando, sensibilizando, o comovendo, provocando riso, desprezo, nojo, alegria, esperança e amor. Mas a leitura não se deu de forma tão clara e simples. Tenho a certeza de que foi incrivelmente mais prazerosa à medida que se seguiam as discussões no grupo. Como foi possível compreender que ler por si e depois com outros tem-se um aprendizado ainda mais forte. Passei por capítulos quase que ilesa e me deixei perder por outros, porém foram durante os encontros que atentei as diversas versões de leitura e interpretações, que certamente enriqueceram em muito o que ficou do livro em mim.

Durante todo o ciclo me questionei quanto ao que me prendia no grupo. E aos poucos tenho mais certeza de que a vivência me ajuda a compreender e nomear (se é que é preciso dar nome a tudo) aquilo que vejo e sinto. Importante citar que tenho o grupo como uma feliz parte de minha semana, parte que me esforço para alimentar. O trabalho como enfermeira em um hospital público me trouxe diversos questionamentos e sentimentos. Conteúdo que evidentemente não se discute ou se estuda durante a graduação, portanto não se aprende em livros, não estão em artigos científicos, mas me exigem em cada dia de trabalho. E curioso é saber que dentro desta mesma Universidade encontro, pós graduação, a possibilidade de frequentar um ambiente que me alimente daquilo que tanto tenho fome. "Dar nome" ao que vejo no meu dia a dia através de histórias escritas há tempos, de personagens que parecem me conhecer, de situações que queria pra mim ou que dizem quase sobre mim. Assim tenho a cada dia da semana um encontro com questões próprias e com questionamentos universais.

Quis todos, todos os personagens, que pudessem conviver comigo, só pra que conseguisse ver e sentir o tal amor ativo de Aliócha, a paixão e o compromisso com a verdade de Dmitri, a lascividade e a provocação de Fiódor, o conhecer o outro como Zossima, a crença/descrença e a loucura de Ivan, o ser parasita de Rakitín e Smierdiakóv, as paixões de Gruchenka, a perversão de Kólia, o demoniozinho Lise... e tudo e todos aqueles que me bagunçaram ideias e sentimentos de tal forma que por horas não distinguia se lia sobre eles ou sobre mim.

Tenho um apreço especial pelo livro X – Os meninos. Que certamente me levou a uma grande comoção. Em especial um trecho da conversa de Aliócha com o menino Kólia: “-Sim, sim! Você passará a visitá-los e verá que criatura é essa. Conhecer justamente essas criaturas lhe será muito útil, para saber apreciar ainda muitas coisas diferentes que conhecerá depois de travar conhecimento com semelhantes criaturas – observou Aliócha com fervor. – Isso o transformará mais do que qualquer coisa.” Fiquei especialmente sensibilizada com esta fala. O que é capaz de suscitar em um ser a experiência de determinados convívios? Eventualmente me pergunto o que me leva e me mantem com todos aqueles pacientes dia a dia no hospital? E essa leitura me ajuda a entender que por mais que eu não defina com palavras ou conceitos o que me prende por lá, começo a entender que certamente me transformará.

E é por estas transformação por que passam os personagens e a beleza de ver que descobrem em si algo além do que pensavam, me iluminam escuridões e incertezas e me faz pensar que muito ainda há o que se descobrir e aceitar em mim, nos outros e no mundo.

Encerro meu ciclo de leitura desta obra com a certeza de que devo lê-lo novamente, e novamente, tamanho meu encantamento e a certeza de que também eu possa ser uma Karamázov.

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