A difícil busca da identidade - O apanhador no campo de centeio, por Marlene Bernardo

"... à luz da reflexão coletiva extraída nos itinerários de leitura, percebo que o Holden tem muito para nos ensinar e o quanto precisamos nos abstrair do nosso exterior e buscarmos uma reflexão interior. "

A difícil busca da identidade (1)
Livro: O apanhador no campo de centeio
Discente: Marlene Bernardo (2) 2015

1 - Trabalho referente o Ciclo I do Laboratorio de Humanidades – 1º Semestre 2015.
2 - Especialista em Direito Civil e em Direito Urbanístico. Mestranda em Ciências pelo Depto. de Oftalmologia da UNIFESP.

Iniciei a leitura do livro o apanhador no campo de centeio um pouco receosa pois uma das minhas colegas do LabHum recusou-se a participar deste ciclo por entender que não haveria solução para o personagem principal. Somado a este fato, descobri que Mark Capman, que assassinou John Lennon, estava lendo o livro logo após cometer o crime.

Com todos os senões, aventurei-me na leitura, que a princípio detestei, achei um horror ler sobre aquele adolescente chato, insatisfeito com tudo e com todos, um verdadeiro reclamão!

Achei-o irresponsável não se dedicava aos estudos e a todo o momento tomava atitudes impensadas, cometendo um erro em cima do outro. E ao término da leitura fiquei pasma porque esperava um final diferente.

Assim, o meu histórico de leitura foi motivado pelos sentimentos ora expostos. Porém, logo na primeira aula uma grande surpresa: muitos dos participantes trouxeram em seus relatos experiências muito parecidas com a minha vivência de leitura – também não haviam gostado da leitura, validando a minha opinião sobre o livro e a narrativa.

Contudo, no decorrer dos itinerários de discussão, fui percebendo que o Holden tinha muito para nos ensinar e que talvez a minha dificuldade de aceitação da leitura poderia estar ligada ao fato de que todos nós temos um pouco do Holden dentro de si.

Nessa mesma linha, pude observar que o Holden tem dificuldade de entrar em contato consigo mesmo, que ele não faz reflexão e que muitas vezes nós também fazemos isso. A exemplo, é possível citar uma fala constante dele: “Eu não queria discutir isso agora...” Puxa, fiquei pensando em quantas vezes prolatamos uma decisão, em quantas vezes “engolimos” o nosso falar, o nosso sentir e vamos prosseguindo como se tudo estivesse dentro da normalidade.

Desta forma, aos poucos fui descobrindo um novo Holden... um adolescente sincero, ético, carente e muito questionador, totalmente a frente do tempo dele.

Acabei compreendendo que tudo o que ele fazia tencionava apenas encontrar alguma companhia para que pudesse desabafar a respeito dos seus problemas, medos e dizer o que ele pensa e acha da vida como ela é.

Pude depreender o quanto é importante para a formação do ser humano poder contar com o apoio familiar. Infelizmente, nota-se que o Holden não dispunha desse aporte familiar, sendo desprovido de atenção, carinho e afeto de seus pais.

Silva, Mello e Aquino (2004, p. 211) (3) , acrescentam que a família é

[...] O aporte afetivo fundamental para o desenvolvimento infantojuvenil e para a saúde mental dos indivíduos; a absorção de valores éticos e de conduta; bem como a introdução das crianças na cultura da sociedade em que estão inseridas.

JUSTO, apud BRASIL ( 2006, p. 31) salienta que:

Em virtude dos desafios enfrentados na adolescência, a privação da convivência familiar e comunitária nesse período pode tornar particularmente doloroso o processo de amadurecimento, frente à falta de referenciais seguros para a construção de sua identidade, desenvolvimento da autonomia e elaboração de projeto futuros, acompanhados ainda de rebaixamento da auto-estima.

Assim, verifica-se que os pais e a sociedade vão validando as atitudes de Holden não pela anuência às suas atitudes, mas sim, pela falta de acompanhamento e ausência implícita.

Achei muito interessante a fala de um dos participantes que mencionou a possibilidade do Holden se resgatar desde que ele se ressignifique. Parece-me que Holden teve um “encontro” através de sua irmã menor que de alguma forma o fez retomar à realidade. Ele precisava desse “encontro”.

Por fim, repensando a história em todo o seu contexto, à luz da reflexão coletiva extraída nos itinerários de leitura, percebo que o Holden tem muito para nos ensinar e o quanto precisamos nos abstrair do nosso exterior e buscarmos uma reflexão interior. Necessitamos de uma constante reformulação do nosso eu, ou seja, precisamos nos ressignificar a todo o momento.

A experiência do LabHum nos enriquece enquanto ser humano, pois a leitura individual ela é enviesada pelo nosso grau de conhecimento, pela nossa vivência pessoal ao passo que, a leitura compartilhada amplia a esfera do ser por trazer novas visões atreladas aos diversos saberes.

3 - SILVA, Enid R. A.; MELLO, S. G. e AQUINO, L. M. C. Os abrigos para crianças e adolescentes e a promoção do direito à convivência familiar e comunitária. In: SILVA, Enid R. A. (Coord.). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA/CONANDA, 2004. p. 209-242.

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