Relato do ciclo "O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger" 2020/2°sem
Por Mariana Costa (estudante de graduação)
Gostaria de dizer que escolhi a eletiva pesquisando sobre o que se tratava mas a verdade é que escolhi na sorte mesmo. Depois, uma amiga que já tinha feito, me explicou como seria a dinâmica e de cara lembrei das aulas quando eu era de humanas. O primeiro contato dos discentes foi feito, tinha uma leitura obrigatória do livro “ O apanhador no campo de centeio “. Oi? Apanhador? Centeio? O meu preconceito me dizia que seria um daqueles livros que se lê com um dicionário ao lado. Por este motivo demorei pra abrir o livro. Era domingo, dois dias antes do primeiro encontro, resolvi ao menos ver do que se tratava a obra e pasmem, a linguagem era fácil e já nos primeiros parágrafos quantas semelhanças entre eu e Holden.
Terça-feira, primeira aula. Eu ainda estava naquela parte do trem, acho que capítulo 10. Os alunos começaram seus depoimentos e todos diziam não ter gostado do Holden e o quão chato ele era. Minha nossa! Eu também seria uma chata por parecer com ele? Também no primeiro encontro foi dito que o final não parecia ser o final. Pensei em um palavrão. Odeio livros ou filmes que não tenham um final claro e objetivo, que responda minhas dúvidas. Não sou boa de pegar os sinais de algo subjetivo. Isso me fez querer ler o livro ainda mais de vagar.
O que eu via de semelhança na história do Holden com a minha era como ter perdido alguém na infância se tornava um trauma pra toda vida. Eu também tenho uma relação pobre em diálogo com meus pais e como o Caulfield mesmo dizia, isso não fazia deles pais ruins. Conforme as páginas foram se passando, percebi que Holden não era tão igual a mim. Algumas atitudes impulsivas, meio agressivas as vezes, e principalmente os comentários homofóbicos nos distanciavam mas isso não me fez perder a empatia que sentia pelo personagem.
No nosso segundo encontro eu já tinha dó do garoto. Tão novo e bebia e fumava tanto. Se envolveu numa briga com um cafetão, este não parecia um bom cenário para um garoto de 16 anos. Os comentários dos colegas nas aulas eram sempre enriquecedores, me faziam enxergar o que eu não tinha visto. E um comentário do professor Dante me marcou: “ seria bom se a gente pudesse reler as pessoas” , era algo assim. É que atualmente estamos lendo muito mal uns aos outros, tendo as nossas próprias interpretações e as tomando como verdade. Uma boa metáfora pra dizer que o quanto a sociedade é preconceituosa.
Eu estava chegando ao fim do livro, angustiada por ver que o Holden além de solitário parecia depressivo, perdido. Então o livro me fez quase chorar. Se fosse um filme certamente teria chorado, sou visual. Mas ver a Phoebe na sua inocência querendo partir com o irmão, e ver como ele a admirava naquele carrossel, foi lindo! Claro que o final me fez ficar brava a princípio. Entrei num looping lendo o primeiro e o último capítulo com esperança de que tivesse alguma resposta escondida. Já estava me fazendo mal então larguei o livro. Durante o dia me veio um estalo de que Holden era instável, queria algo e depois não queria mais, achava uma pessoa ruim e em seguida ressaltava as qualidades. Aquele final era típico mesmo. Porém ainda tinha esperanças de alguém nas aulas me mostrasse o que eu não tinha visto.
Já estávamos no penúltimo encontro, uma aluna abordou a questão do porquê o Holden fazia comentários homofóbicos e ao mesmo tempo defendia tanto as mulheres? Eu, feminista que sou, nem tinha me atentado a isso. E talvez a resposta para essa questão seria a Phoebe. Esqueci de mencionar, assim como o “ apanhador “ eu também amo crianças. Amei a Phoebe, queria ela num filme para que eu pudesse ver a carinha dela chegando com as malas no museu. Não que eu não tenha imaginado, mas era pouco, sou visual, gosto de imagens reais. Ah, sobre o final, obtive minhas respostas que na verdade nunca saberemos se estas são certas, isso só Salinger poderia confirmar.
Era o último encontro, eu estava durante uma viagem , estava mais disposta a ouvir do que falar naquele dia, então quis ser a última a falar. Enquanto o professor e os alunos contavam suas experiências, eu só conseguia lembrar da professora Drika que, na aula de história da arte, sempre colocava um quadro daqueles clássicos e perguntava o que ele nos despertava. No dia da Monalisa, enquanto todos os alunos diziam o quanto aquela mulher parecia misteriosa, um aluno dizia que o sorriso de Monalisa era um sorriso debochado. A partir daquele dia, não consigo olhar pra ela sem achar que está rindo de alguém. Mudou minha visão e parecia que eu estava vendo outra versão daquela obra. E foi isso que aconteceu nessa eletiva , quantas versões de Holden Caulfield vimos! Um adolescente chato, reclamão, impulsivo, mal compreendido, carente, um bom irmão, um bom garoto.
Durante a última aula comentei que se não fosse por essa eletiva, talvez eu não tivesse a oportunidade de ler este livro. Estava enganada. Eu precisava conhecer o Holden para me ajudar a lidar com a ausência do meu avô. Para lidar com o luto do irmão o personagem se torna um apanhador, eu me tornei escorregadia e percebi que nem eu nem ele estamos agindo da melhor forma. É claro que a experiência dessa discussão sobre o livro melhora a qualidade da leitura, cada um consegue ver algo que o outro não viu e isso é ótimo! Mas, o livro me mudou, não menosprezando nossa troca de leitura, só que quem mais me ensinou mesmo foi o Holden. Obrigada!