Por Yuri Bittar (coordenador do LabHum)
27/03/2020
Nestes dias estão acontecendo tantas coisas sérias, pandemia, falas estapafúrdias de autoridades, crise, e existe uma grande tensão no ar, temos medo, preocupação, e parece que precisamos decidir, julgar. Algumas pessoas correm para o mercado para fazer estoque de alimentos, pré-vivendo tempos piores. Acho que se preocupar com o futuro e agir antecipadamente é normal e útil, mas será que devemos agir assim sempre? Será que sempre nos cabe esse peso de julgar?
“Muitos que vivem merecem a morte. E alguns que morrem merecem viver. Você pode dar-lhes a vida? Então não seja tão ávido para julgar e condenar alguém à morte. Pois mesmo os muitos sábios não conseguem ver os dois lados.” J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel. (2009, p.61)
Nesse trecho Gandalf, o personagem mais sábio e equilibrado do livro, explica para Frodo, o jovem hobbit, o perigo do julgamento apressado, que nem os mais sábios veem uma situação de forma clara. Frodo acha que Gollum, criatura corrompida e má, que está atrás do “anel de poder” que está com Frodo, deveria ser morto, pois merece, e Gandalf concorda que merece, mas questiona a fala decidida do jovem, mostrando que de fato nunca sabemos bem o que devemos fazer, e a única forma de chegarmos mais perto desse saber é tendo paciência, deixando as coisas serem um pouco mais, ou seja, deixar a experiência acontecer antes do julgamento.
Entendo que o que Tolkien quis dizer através de, Gandalf, ou pelo menos o que eu posso entender, é que julgar e condenar tem um peso enorme, e temos que lembrar que nem sempre precisamos levar esse peso.
Deixar ser ao invés de julgar.
Algumas linhas acima Gandalf explica que Bilbo, que também teve a chance de matar Gollum, e não o fez, pode ter agido por pena. E pode ter sido justamente essa pena que salvou ele mesmo de ser corrompido pelo mal do anel.
Relacionando essas ideias com a situação atual do Brasil pode até parecer que sugiro passividade, mas de forma alguma e muito pelo contrário. Sugiro simplesmente que sejamos capaz de refletir sempre que estivermos julgando, assim diminuindo um pouco do peso sobre nossas costas, que em grande parte vem dessas preocupações e vontade de “condenar à morte” mesmo que de forma simbólica.
E de fato depois Frodo se depara com Gollum e tem pena deste, não o mata, e no final do livro, depois de muitas aventuras, Gollum acabou sendo essencial para derrotar o mal, e sua morte lá no começo teria sido desastrosa.
A literatura nos coloca diante de situações às vezes muito mais intensas que a vida real, como a responsabilidade de salvar o mundo, mas nem por isso são situações distantes do que vivemos, elas ampliam a realidade como uma lupa, para enxergarmos melhor nossos próprios sentimentos.
Frodo, ao invés de escutar a sua própria raiva, escutou a voz de um sábio. Talvez essa seja uma dica, escutar os sábios e ponderados, e não os raivosos.
Deixar as coisas serem, viver antes de julgar. Desacelere, medite, nem sempre é preciso resolver tudo agora. Acho que essa simples ideia pode nos ajudar com todo esse estresse que estamos vivendo.