por Yuri Bittar (CeHFi-Unifesp)
Sabe aquela sensação de ser a única coisa entre as pessoas e o abismo? Você quer alertar todos sobre o perigo, mas não consegue, pois está muito ocupado segurando os que estão quase caindo, você quer gritar, mas o som não sai da sua boca, porque todo seu esforço concentra-se nos braços.
Nesses dias sinto uma sensação estranha, mas não sabia bem o que sentia, pois não tinha palavras. Então me lembrei de um trecho do livro O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, justamente um pequeno trecho, que apesar de justificar o título do livro, pode até parecer meio fora da história, onde o protagonista da obra, o jovem Holden, explica para sua irmã:
“Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num grande campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice. (p.71)”
Holden está falando do que ele queria ser, da profissão que escolheria se pudesse segurar crianças que estão caindo em um abismo. Isso é uma profissão? Quem sonharia fazer isso?
Às vezes, só às vezes, nestes dias de pandemia, tenho a impressão de que estão todos correndo para um precipício, eu queria apanhá-los, mas sou um só, sei que não conseguirei. Outras vezes só não vejo sentido nenhum em tudo isso. Outras vezes, acredito que está tudo bem e que não é tão grave.
Essas reflexões pretendem mostrar como a literatura tem o poder de nos despertar imagens e palavras que nos ajudam a lidar com nossos próprios sentimentos, e quem sabe até compreender melhor as outras pessoas.
(Agradeço à Nádia pela revisão!)
Foto: Yuri Bittar, 2014
Texto baseado na leitura de O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D.Salinger, e nas discussões dentro do Laboratório de Humanidades do CeHFi-Unifesp.