Um jovem que, por suas ambições e desejos de extremo reconhecimento, pouco a pouco se desvincula daquilo que lhe dá prazer, de suas afeições, das pessoas que ama, de tudo aquilo que o torna humano - para então ser capaz de originar vida, colocar-se na posição de Criador e atingir seus objetivos.
Relato de Convivência
Aluna Letícia Monico Alves Cyrino
Ciclo "O humano e os limites da Ciência", Livro: Frankenstein, de Mary Shelley 2019
No primeiro encontro do Laboratório de Humanidades, logo nas apresentações, o professor Dante nos contou uma história sobre a criação das musas gregas. Musas eram as nove filhas de Zeus e Mnémosine, cada a qual representante de uma forma de arte, como a dança, música ou poesia. Elas foram concebidas à humanidade justamente como uma forma de lembrar-nos de nossa condição, de que somos humanos.
Esse conto permaneceu na minha cabeça durante todos os encontros, pois a cada discussão, ele parecia mais pertinente. A visão da arte enquanto pilar da constituição humana esteve presente na mitologia da civilização grega, está presente na forma como se promove bem-estar e saúde atualmente, é o princípio do funcionamento do laboratório de humanidades, e é um dos principais pontos das questões abordadas no romance Frankenstein, por Mary Shelley, no século XVIII.
Um jovem que, por suas ambições e desejos de extremo reconhecimento, pouco a pouco se desvincula daquilo que lhe dá prazer, de suas afeições, das pessoas que ama, de tudo aquilo que o torna humano - para então ser capaz de originar vida, colocar-se na posição de Criador e atingir seus objetivos. A partir daí, observamos o que chamamos nas discussões de sua "desumanização", com Victor demonstrando sua inconsistência, seu egocentrismo, sua recusa a admitir seus erros e possibilitando várias mortes.
Ao mesmo tempo, percebemos um processo em que a criatura, que causa tamanha repulsa em Victor e em outros seres humanos, vai sendo gradualmente exposta à melodia, à fala, às histórias, à literatura, e assim vai construindo seus valores, princípios, uma identidade com a qual conseguimos criar empatia.
E, discutindo essas passagens em grupo, nos perguntamos O que é ser humano? Existe um estado "absoluto" de humanidade? Porque a criatura, mesmo nos cativando em certo aspecto, assume a posição de assassino. E, nas reflexões dos itinerários de leitura, junto com o conforto de ouvir que alguém pensa de forma similar você sobre determinado ponto, foi bastante engrandecedor entender perspectivas diferentes das quais estamos acostumados. Não é de nossa natureza buscarmos por companhia e compaixão da forma que a criatura faz? Que é até o profundo desejo do navegador Walton, de ter um amigo. Não temos um pouco do sentimento de Victor quando almejamos nossos projetos, nossas pesquisas, nossos estudos?
Se Victor mantivesse o contato com as pessoas que ele ama, se ele recebesse afeto e carinho - se o monstro tivesse sido alvo de ternura em vez de pedras - sua jornada teria sido diferente?
Penso que, de mais importante do laboratório, ficou a reflexão de que o conteúdo do livro se trata de todos nós. O bem ou o mal são inerentes da nossa existência, mas o que fazemos em relação a isso? Nos envolvemos em nossas espirais de angústia como Victor, justificamos nossas ações com base na rejeição que sofremos como a criatura? Pode existir uma forma de exercitar a humanidade dentro de nós, talvez como os gregos já sugeriam milhares de anos atrás, e lidarmos com as diversas facetas que existem em nós, contemplando a multiplicidade de nuances que fazer parte da humanidade abrange.