Reflexão de Yuri Bittar (monitor)
Amigos leitores. Participo de um grupo genial chamado “Laboratório de Humanidades” na UNIFESP. Este é um grupo que se reúne semanalmente para discutir a leitura de livros. O incrível é esse trabalho ser realizado em um campus tipicamente da área da saúde, e termos um grupo muito heterogêneo, que vai desde historiadores até médicos, passando por docentes, profissionais e alunos. Atualmente estamos discutindo O Idiota, de Dostoiévski, e estas são as minhas impressões gerais dos conceitos contidos no livro, “chupando” um pouco do que os outros participantes observaram, portanto este não é um texto só meu, e sim uma construção coletiva e que pretendo agora compartilhar com mais pessoas.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi o fato do Príncipe ser o único que não está “maquinando” o tempo todo. Ele parece viver momento, ou no máximo pensar apenas nos próximos acontecimentos.
Ao final do livro eu já vejo como problema central do livro a comunicação, ou seja, como se fazer entender por pessoas que não podem e não querem ver as coisas como você ? Esta falha na comunicação entre as pessoas parece ser decorrente de uma série de fatores, mais alguns no caso do nosso herói, mas destaco um, a falta de paciência. Aí parece estar uma questão fundamental do livro, pois o Príncipe parece ter uma paciência sem fim com todos, e poucos tem a mesma consideração por ele. Será porque o Príncipe tem um amor ilimitado por todos ? Afinal os poucos que tem paciência com ele são exatamente os que o ama ?
Eu me pergunto se a intenção do autor não foi exatamente essa, colocar em discussão a superficialidade das relações sociais, e o choque causado por elemento que vê os outros mais profundamente.
Quero agora colocar mais algumas inquietações geradas pelo livro, em mim e nos outros participantes do laboratório:
· Cogitamos que o Príncipe parece viver uma outra realidade, mas o que é realidade, e será que na verdade ele não vê a realidade muito melhor que os outros, por ser menos preso a preconceitos e visões fáceis ?
· Consequentemente devemos nos perguntar, há uma falha na comunicação ? Eu particularmente vejo que ele está em outro tempo, em uma lógica levemente diferente, e, além dele conhecer os códigos da sociedade, tem também uma linguagem própria ? Como ele poderia expressar verbalmente idéias que estão além do alcance dos outros, de uma maneira inteligível.
· De certa forma o Príncipe não está muito preocupado em ser entendido, mas sim em entender.
· Ele definitivamente vive em uma dimensão de tempo diferente, ele parece dispor de bem mais tempo, pois dedica muita atenção à todos.
· Outro questionamento que fatalmente surge é; porque esse final, porque o Príncipe regride em sua doença e se retira da consciência, porque ele é, digamos, derrotado ? Bom, creio que seria o mesmo que perguntarmos qual é a moral da história ? Akira Kurosawa, que filmou O Idiota em 1951, disse “...é o escritor (...) que escreve com mais honestidade sobre a existência humana. (...) não há nenhum outro autor (...) que seja tão bom, tão delicado”. Que triste, se Dostoiévskientende tão bem o humano, e a figura pura do Príncipe tem um final tão trágico, o que será de nós, qual a esperança que resta ?
· Mas não vejo assim dessa maneira tão trágica, acho que o autor quis questionar até que ponto uma pessoa pode suportar amar tão grandemente, acho que essa é a resposta.
· Por fim creio que a maioria das pessoas se apaixona pelo Príncipe, mas poucos são como ele, ainda mais no nosso tempo.
· Talvez você me pergunte, mas que conclusões são essas que eu chego, mais perguntas que respostas ? Hora, devemos desconfiar dos livros que nos trazem muitas repostas, e confiar nos que provocam questionamentos. Acho que O Idiota é ótimo por nos colocar diante de questões da maior relevância, fazendo isso de maneira totalmente crítica. Acho que alguns leitores desse livro podem até se envergonhar de si mesmos, ao se identificar com outra personagem que não o Príncipe.
QUARTA-FEIRA, 28 DE OUTUBRO DE 2009