Escrito por Yuri Bittar, monitor do LabHum, com reflexões de todo o Laboratório de Humanidades
Lendo “Alice no País das Maravilhas” percebi que Lewis Caroll não falava de um lugar imaginário, mas na verdade se referia à sociedade em que vivia. Recorrendo a alegorias, ele foi a fundo na dificuldade que as pessoas parecem ter em entender umas às outras.
No Laboratório de Humanidades lemos recentemente este clássico da literatura infantil e também universal, intitulado “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Caroll. O título original é “Alice's Adventures in Wonderland” ou "Alice in Wonderland". Foi escrito na Inglaterra em 1865. Para mais detalhes sobre o livro consulte a Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alice_no_pa%C3%ADs_das_maravilhas
As reflexões que faço aqui são fruto da minha leitura e também das discussões no Laboratório de Humanidades, portanto, de certa forma, este é um texto coletivo e agradeço aos colegas do LabHum.
Numa alucinante viagem, por lugares estranhos e na companhia de criatura impensáveis, Alice tem que resolver diversos problemas, sozinha , e para voltar para casa, buscar a saída dessa espécie de labirinto aparentemente insano que é o País das Maravilhas.
Mas, se observarmos com cuidado, vamos perceber que o País das Maravilhas não é muito diferente do mundo real. Tirando o fato dos seres de lá serem cartaz e animais falantes, ao analisarmos seus atos, percebemos que são como os atos ditos normais das pessoas até hoje, mesmo aqui do outro lado do Atlântico e tantos anos depois.
Pessoas levemente insanas, que agem de forma um tanto sem sentido, se agridem, se tratam mal, participam de jogos sem objetivos, vagam sem rumo e fazem ameaças que geralmente não cumprem. Assim também não somos nós? Infelizmente parece que sim. E o Gato então? Ele aparece e desaparece, faz o que bem entende e não pode ser capturado. Apesar de dizer que todos são loucos, inclusive ele mesmo, na verdade o bichano parece ser o único sensato, além de Alice. Ele é o único que parece entender o que está acontecendo plenamente, além de ser praticamente onipresente e interferir nos acontecimentos sem ser afetado pelos outros. Ou seja, o Gato que Rí, ou Gato de Cheshire, simplesmente parece representar o próprio Lewis Caroll. E quantas vezes não nos sentimos mesmo os únicos sensatos em um mar de loucos? Outras vezes pode ser até o contrário, e aí dizemos que todos são loucos.
É um país de maravilhas este que Alice visita? Ou apenas um país normal? Bom, uma coisa que é diferente, para Alice, é que ela está só. Não há adultos responsáveis para lhe dizer o que fazer, como ela estava acostumada. Ela tem que resolver tudo sozinha. No início ela tenta seguir a lógica passada por seus pais, como ler o rótulo antes de beber de um frasco. Mas logo ela vai formando uma maneira própria de agir, se adequando ao mundo em que ela está.
Em certos momentos ela se cansa da loucura e incoerência das pessoas daquele lugar. Acontece que normalmente uma criança não tem que se envolver nas loucuras dos adultos, nos problemas e conflitos, permanecendo protegida. Será mesmo? E por aqui? Quantas crianças tem que se virar sozinhas, sejam elas abandonadas ou apenas mau cuidadas por pais relapsos? Elas tem que trabalhar, pedir, e acabam roubando e se drogando. Enfrentam, enfim, as loucuras da cidade e a confusão e violência dos adultos, tendo ou não habilidade para aguentar esse fardo, assim como Alice. Mas nestes casos não se trata de um sonho e o final normalmente não é feliz.
Alice se depara com “pessoas” que agem de forma estranha. Ela não entende o que eles querem. Por que o Coelho tem tanta pressa? E o Chapeleiro e a Lebre, o que fazem afinal? E qual é o objetivo do jogo de críquete com a Rainha? E como podem jogar de forma tão confusa? E o julgamento então, que sentido tem?
Mas se pensarmos em nosso mundo, que eu chamaria de “País dos Absurdos”, veremos algo muito diferente disso? Quantas notícias inacreditáveis vemos diariamente na TV. E pessoas agindo de forma estranha e incompreensível, que vemos constantemente pela cidade? Outro dia desses me deparei com uma estranha senhora, que apelidei cá para mim de “louca das vassouras”. Já outras vezes me deparei com esta estranha figura, que anda de ônibus carregando sempre uma ou mais vassouras, ás vezes só o cabo, andando sem parar, de lá para cá, no ponto de ônibus, dando um chega para lá em quem se colocar no seu caminho. Depois, quando chega o ônibus ela tem que ser a primeira a entrar, ocupa dois assentos e fica resmungando todo o caminho.
Lewis Caroll realmente escreveu um livro profundo, que permite uma série de reflexões, mesmo após um século e meio. Ele fala da dificuldade das pessoas em se entender mutuamente, e isso é atemporal e acontece em todos os lugares. Nos faz pensar realmente, e isso é muita coisa.
Yuri Bittar
Designer, fotógrafo e historiador