Entre Goethe e Rodrigues. “A vida como um Teatro”
Se houve alguma coisa em comum entre os livros escolhidos neste semestre laboratorial, mais além de serem belas obras literárias, foi o fato de serem livros ligados ao teatro. A paixão pelo Teatro no século XVIII e a teatralidade Brasileira do século XX prestes a invadir nosso laboratório. Diferentes em forma e conteúdo, mas não em riqueza e importância, os livros aproximam-nos á realidade do Teatro desde perspectivas complementarias. O teatro descrito como ferramenta vital, artística e apaixonante de um jovem espírito burguês em “Goethe” se complementa com a teatralidade tragicômica in situ á que assistimos no devir da leitura do “Vestido de Noiva”. Duas leituras provocantes que convidaram à reflexão de temas tão humanos quanto atuais. Os enredos do amor, das paixões, dos desejos, da família, da morte e da vontade apareceram como fatos perduráveis em qualquer tempo e espaço da existência humana.
Uma das coisas mais importantes que me deixaram estas leituras, junto com Labhum propriamente dito, foram algumas reflexões sobre o mundo do Teatro: elemento educativo e formador, até “humanizador”, embora incerto e imprevisível. Por um lado o Teatro como aventura pessoal de uma personagem literária como motor inicial do romance. Por outro, o teatro como peça em se mesma e como aventura literária dona de um estilo particular de comunicação e expressão. Ao ler as desventuras do jovem Meister percebi que estava lendo um filme, uma “coisa” com princípio é fim embora faltassem vários livros para abordar a vida toda dele. Com o Vestido de noiva parece que a “coisa” não tem principio nem fim, parece que os “planos” embaralham a peça e convidam a reler “n” vezes se quisermos sistematizar o tempo e o espaço dela...
Além disso, e não menos importante, foi a reflexão sobre o teatro que é representado no Labhum. O teatro que se envolveu em nossas vidas, durante uma hora e meia semanal, para olhar-nos de perto e examinar-nos no interessante caminho da experimentação literária coletiva. O Labhum como centro de pesquisa-experimentação coletiva, tem virado o nosso grande teatro semanal aonde, nos participantes, podemos ser simples expectadores quanto “atores”, ou seja, podemos fazer parte da peça fazendo o papel de depoente, diretor ou roteirista podendo mudar os caminhos de discussão, gerando novas leituras...
Dentro de esta visão do Labhum, como uma cena – ou ato- dentro de nossa vida, é que surgem as inquietações e ideias que se tornam este relatório.
A primeira grande sabedoria que o Labhum me deixa passo a citar: “A combinação do espírito crítico com uns poucos livros bons de literatura é fundamental para abrir novos caminhos, para entender desde outro ângulo a humanidade do ser e para semear a importância da literatura e a sua mensagem”. Neste ponto, percebi como a obra de arte pode aflorar reafirmar ou redimensionar nosso lado bom e ruim. Estes, inerentes à condição humana, apareceram como coisas indivisíveis nas discussões do Labhum que me convidou a fazer as seguintes perguntas:
Quem não fica surpreso ou até aliviado, quando lemos a história do Wilhem? Ao começo, o jovem Wilhem gera simpatia ao escolher a arte versus a vida burguesa...uma escolha que podemos trasladar ao nosso mundo de hoje. Que pessoa com dotes artísticos não se vê impelida a tomar esta decisão? Seguir o caminho da paixão pela arte ou submeter-nos aos caminhos certos que a nossa “sociedade da torre” propõe? Se pensarmos com sinceridade, na atualidade existem as mesmas considerações a respeito disto. Ser artista é uma escolha, que leva-nos por caminhos diferentes, embora sejam incertos e arriscados. Contrario ao materialismo burguês utilitarista a formação que inicia Wilhem parece contraria ao êxito e à eficácia. Porém, o romance mostra a dualidade da vida e do destino, sempre incertos, e sujeitos ao acaso imperante e místico que representa a existência humana. Por um lado o acaso de conhecer “O Hamlet”, a grande opera prima que revela a consequência de ter escolhido o teatro como guia espiritual, e, por outro, o destino infame, inquebrantável que aparece figurado na “sociedade da torre”, guia social do jovem. Faz-se impossível neste ponto não citar uma frase de Jorge Luis Borges em uns dos seus contos: “Á força de apiedar-nos das desventuras dos heróis dos romances, terminamos apiedando-nos excessivamente das próprias desventuras...”. O mundo está cheio de desventuras, tanto o mais do que os romances possam mostrar...É o que o próprio Rodrigues disse: “A vida como ela é”
Quem está disposto a se aventurar na vida com tal de perseguir aquilo que o apaixona? A formação de Wilhem conhece todas as misérias em sua desventura, “ampliando a esfera do seu ser”, ou seja, experimentando caminhos incertos e lidando com inúmeras outras humanidades. Pensemos nas desventuras que o jovem Wilhem atravessou em prol de uma aproximação àquilo que o apaixonava -o teatro-, e perceberemos a grande influência que este deixaria no devir do final do romance.
Quem não se sentiu enormemente mudado ao ler algum autor, livro, poesia, romance...? Quantos de nós não tivemos a mesma sensação que Wilhem depois de ter lido algum clássico? Com “Hamlet” de W.S , Wilhem tem uma mudança radical na sua vida. Isto deu sentido à sua escolha pelo teatro e o revitalizou definitivamente. Isto é particularmente interessante de lembrar: nunca seremos os mesmo depois de ler livros que mexem com as nossas vidas. Por mais ínfimo que seja o deslocamento de nossos parafusos, nossa humanidade já não será igual...Um bom livro é , muitas vezes, o remédio a longo prazo, uma medicina para a alma que não tem dosagem possível... como se empenha em nos mostrar o Labhum... Certamente o Labhum contribui a mudar um pouco nossas vidas... Quanto ? Cómo? Por quê? Não adianta responder com certezas numéricas senão com emoções, sentimentos que dependem do momento e da bagagem emotiva da pessoa... Eu fiquei motivado com a leitura do “Vestido de Noiva”... Primeira leitura: “Não entendi nada”... Segunda: “ Da para entender que ha confusão” , Terceira: “Opa! , hoje sim ! Tive uma revelação e me pareceu que...” . Chegando ao Labhum as discussões me animaram a aprofundar e pensar em certas temáticas. Delas a mais forte foi a morte....
Logo, outra reflexão parece me ajudar nesse caminho: “ Toda obra literária está escrita por humanos , então, cada livro representa um pedaço, embora infinitesimal, do caótico universo humano”. Cada livro, por mais surrealista ou ficcional que seja, está mostrando uma parte do que é o humano. É inevitável. Parece uma sentencia banal, obvia...mas eu refleti sobre isto... Como Goethe pôde escrever um romance tão longo, imaginar essas aventuras, descrever tão sutilmente tantas personagens? Como Nelson Rodrigues convidou-nos a fazer uma leitura-viagem irracional, não linear e psicológica através de “planos”? Planos de que? Tudo é invenção humana, tudo é fruto de nossa humanidade... No “Vestido de noiva” tivemos que lidar com um mundo aparentemente desconhecido... Planos espirituais? Planos das ideias? Planos das sensações? O autor convida-nos a fragmentar a psique humana...cosa que parece fútil ao invés de ilustrativa.. Ele, convida a abordar a questão da realidade e a mentira que, num princípio, representariam os planos “da alucinação e da memória”.... “A realidade nunca é fraca e a memória é...A realidade é um fato e a alucinação é uma distorção de um fato..” Assim por diante poderíamos discutir e adentrarmos no círculo vicioso do raciocínio humano. No Labhum, depois de esgotar o raciocínio, chegamos à conclusão que, às vezes, o irreal parece ser um fato extremamente vital para o sentido da vida do ser... é inegável que sonhar, imaginar, alucinar e lembrar representam algo tão misterioso quanto humano, tão vital quanto “humanizador”...
No meu caso, isto ficou muito presente na temática da Vida e da morte do “Vestido...” . Outra vez a reflexão provém do “cutucar” do Labhum:
Será que mesmo morrendo a pessoa tem desejos e vontades? Será que adentrar-nos na nossa inconsciência nos leva a essa outra “realidade” tão desdenhada?
Pelo bem da Alaíde e do Meister, que perdurarão na nossa memória para sempre, tentemos imaginar, sonhar e alucinar com eles... Quem sabe na nossa hora da morte eles não sejam nossos anjos?
Relatório dos Encontros do Laboratório de Humanidade
Por Gabriel Barreto
2012 - 1º Semestre