Relato da experiência - Leitura: O Rinoceronte, de Eugène Ionesco
O Rinoceronte foi uma das peças de teatro que mais aguçaram minha curiosidade para saber “o que viria a seguir”. Tanto que li o livro em apenas dois dias. Depois, refiz a leitura de alguns trechos para discuti-los com o grupo.
Essa foi, sem dúvida, uma experiência de leitura riquíssima que me proporcionou conhecer pessoas que também têm encantamento pela leitura e que gostam de dividir suas reflexões.
O mais interessante do livro foi a mudança de profundidade nas falas das personagens. No começo, eram falas curtas e repetitivas, sem muita lógica ou aparentemente sem importância; no desenrolar da história, porém, as personagens mostraram-se mais interessantes, densas e complexas, bem como as entrelinhas dos discursos.
Gosto muito de ler peças de teatro e essa entrará em minha galeria de recomendações, com a seguinte advertência: leia se estivar aberto ao novo e ao inusitado e, sobretudo, se estiver com os olhos voltados para o retrato da sociedade.
Reflexão suscitada pela obra
O mal! Que mal? Isso é uma palavra vazia! É possível saber onde está o mal e onde está o bem? p. 245
O livro de Ionesco traz em seu enredo o absurdo. Não estaríamos, contudo, imersos em um mundo absurdo e em uma realidade louca? Vivemos, se observarmos bem, no relativismo pleno, o qual não responde à pergunta: É possível saber onde está o mal e onde está o bem? Assim, caminhamos nas brenhas de nossas verdades e mentiras, considerando tudo possível e permitido; porém se não é possível distinguir o mal do bem, seria possível discernir a verdade da mentira?
A moral e os bons costumes onde entram nessa história? Considerando que as relações humanas estão cada vez mais feridas e menos humanas, porque cada um vai à procura da sua
verdade, do seu melhor, sem sequer preocupar-se em dividir com o outro suas inquietações, seus medos, vícios e fraquezas, estaria nossa sociedade se transformando em rinocerontes?
Muito comum depararmo-nos com indivíduos que se vangloriam por suas virtudes, vitórias e que deixam sua marca de individualismo por todos os cantos, representada pelo seu discurso, pelo modo com que faz suas escolhas e manifesta sua opinião. No entanto, não precisa de muita sensibilidade para perceber que estamos cada vez mais solitários com essa postura e que viver dessa maneira faz que tenhamos poucos elos sinceros de amizade e comunguemos muito pouco o amor e a solidariedade, que passam a ser utopia à medida que não pautarmos nossa vida em nossas necessidades essencialmente humanas: a partilha, o aprendizado por meio de testemunhas.
Eis o grande desespero dessa obra: o homem moderno solitário, que luta o tempo todo para estar inserido em um grupo, mas por não se curvar à moral, mas guiar-se tão somente pelo sentimento, acaba sozinho.
Nesse tresloucado salve-se quem puder da vida do atual século, acabamos vendo traços de rinocerontes em muitos de nossos semelhantes e, por que não, no espelho nosso de cada dia? Que tenhamos a coragem de ser mais humanos sem precisar, para isso, seguir regras morais e de boa conduta, mas seguindo nossa intuição e nossa razoabilidade, não o relativismo.