Daqueles livros que não se quer que termine logo. Daqueles que se espera sempre uma página seguinte. Daqueles em que nos identificamos.
Iniciei minha leitura da obra com ansiedade: o que afinal haveria de tão especial na escrita de Dostoiévski?
A forma como a conta ao leitor, o intrigando, irritando, sensibilizando, o comovendo, provocando riso, desprezo, nojo, alegria, esperança e amor. Mas a leitura não se deu de forma tão clara e simples. Tenho a certeza de que foi incrivelmente mais prazerosa à medida que se seguiam as discussões no grupo. Como foi possível compreender que ler por si e depois com outros tem-se um aprendizado ainda mais forte. Passei por capítulos quase que ilesa e me deixei perder por outros, porém foram durante os encontros que atentei as diversas versões de leitura e interpretações, que certamente enriqueceram em muito o que ficou do livro em mim.
Durante todo o ciclo me questionei quanto ao que me prendia no grupo. E aos poucos tenho mais certeza de que a vivência me ajuda a compreender e nomear (se é que é preciso dar nome a tudo) aquilo que vejo e sinto. Importante citar que tenho o grupo como uma feliz parte de minha semana, parte que me esforço para alimentar. O trabalho como enfermeira em um hospital público me trouxe diversos questionamentos e sentimentos. Conteúdo que evidentemente não se discute ou se estuda durante a graduação, portanto não se aprende em livros, não estão em artigos científicos, mas me exigem em cada dia de trabalho. E curioso é saber que dentro desta mesma Universidade encontro, pós graduação, a possibilidade de frequentar um ambiente que me alimente daquilo que tanto tenho fome. "Dar nome" ao que vejo no meu dia a dia através de histórias escritas há tempos, de personagens que parecem me conhecer, de situações que queria pra mim ou que dizem quase sobre mim. Assim tenho a cada dia da semana um encontro com questões próprias e com questionamentos universais.
Quis todos, todos os personagens, que pudessem conviver comigo, só pra que conseguisse ver e sentir o tal amor ativo de Aliócha, a paixão e o compromisso com a verdade de Dmitri, a lascividade e a provocação de Fiódor, o conhecer o outro como Zossima, a crença/descrença e a loucura de Ivan, o ser parasita de Rakitín e Smierdiakóv, as paixões de Gruchenka, a perversão de Kólia, o demoniozinho Lise... e tudo e todos aqueles que me bagunçaram ideias e sentimentos de tal forma que por horas não distinguia se lia sobre eles ou sobre mim.
Tenho um apreço especial pelo livro X – Os meninos. Que certamente me levou a uma grande comoção. Em especial um trecho da conversa de Aliócha com o menino Kólia: “-Sim, sim! Você passará a visitá-los e verá que criatura é essa. Conhecer justamente essas criaturas lhe será muito útil, para saber apreciar ainda muitas coisas diferentes que conhecerá depois de travar conhecimento com semelhantes criaturas – observou Aliócha com fervor. – Isso o transformará mais do que qualquer coisa.” Fiquei especialmente sensibilizada com esta fala. O que é capaz de suscitar em um ser a experiência de determinados convívios? Eventualmente me pergunto o que me leva e me mantem com todos aqueles pacientes dia a dia no hospital? E essa leitura me ajuda a entender que por mais que eu não defina com palavras ou conceitos o que me prende por lá, começo a entender que certamente me transformará.
E é por estas transformação por que passam os personagens e a beleza de ver que descobrem em si algo além do que pensavam, me iluminam escuridões e incertezas e me faz pensar que muito ainda há o que se descobrir e aceitar em mim, nos outros e no mundo.
Encerro meu ciclo de leitura desta obra com a certeza de que devo lê-lo novamente, e novamente, tamanho meu encantamento e a certeza de que também eu possa ser uma Karamázov.