Grande Sertões: Veredas - “Um esboço de minha travessia”
por Clarissa Carvalho Fongaro Nars
Outro ciclo finaliza e com ele mais alguns passos dados na minha travessia: não há como não comparar essa leitura a uma verdadeira (e longa) travessia, que para ser sincera, acaba de começar...
Travessia pelo LabHum, que se estende para a travessia da vida, cheia de questionamentos, incertezas, medos, angústia, dúvidas, mas também cheia de coragem e alegria, como (tão bem) nos ensinou Riobaldo.
Interessante é, que desde o início, esse personagem ganhou vida de tal modo para mim, que quando vou citá-lo, tenho dificuldade em atribuir o pensamento a Guimarães Rosa! Em alguns momentos, sinto como se Riobaldo prescindisse de seu criador. E mais, ouso dizer que duvido que G. Rosa se importasse com isso se por ventura ficasse sabendo de minha impressão e mesmo se importasse, acho que responderia: “Ora Guimarães, não é que como você mesmo (ou Riobaldo) nos diz: “o senhor ache e não ache. Tudo é e não é!” (p.27).
Pensando no LabHum, acredito que esse meu sentimento, de humanizar a tal ponto o personagem, seja bastante significativo. Isso me faz pensar no papel da literatura em minha formação e no papel da literatura, no geral: que de tanto humanizar, acaba dando vida ao personagem, a tal ponto de (na minha trajetória) de alguma forma, prescindir do seu autor.
Bem, mas é necessário seguir e mesmo ante minha dificuldade em formalizar o final da jornada, dificulade que sem dúvida vem do fato de justamente eu não querer terminar essa experiência, arrisco e esboço alguma coisa... Afinal, em um livro tão rico e denso, o que filtra, selecionar, deixar escoar em palavras?
Pra começar, nada como o começo: retomando o que foi a história de leitura... O difícil do prazer de ler, sem entender muita coisa, rememorando a primeira leitura da obra, na adolescência, leitura seca como o sertão, mas que deixou rastros, como qualquer travessia, a ponto de sentir prazer logo quando fiquei sabendo que esta seria a leitura da vez. E a dor de não entender quase nada e não querer parar um só segundo de ler, livro que muito me acompanhou pra lá e prá cá desde Dezembro último...
Mas a história de leitura, mais do que nunca, expressou uma falta... falta de não conseguir dizer tudo o que foi ler este livro, mal conseguindo dizer quase nada, o que me faz logo perceber: sempre falta palavra... e a sensação do perigo que é faltar!
E quanto a isso não tem jeito: sempre falta... Falta segurança, bagagem pra entender certas coisas, mas ao mesmo tempo que falta, Riobaldo nos ensina que sobra. Sobra bondade, maldade, sobra página por ler, por entender... Ora, e não é que tudo sempre é... e não é! E é bom ir se acostumando Clarissa...
Mas aí, vem o modelo do LabHum e conforta um pouco... os itinerários de discussão foram cada vez mais me ajudando a atravessar as tortuosas, mas prazeirosas travessas. Mais prazer nessas “leituras acompanhadas” e menos dor.
Hoje percebo que aquilo que era melhor fazer sozinha, o caminho da leitura, fica muito melhor se for acompanhado, compartilhado, pois até mesmo como nos ensina Riobaldo, esse caminho, a pauta (para usar seus termos), se faz é acompanhada. E assim como nos moldes do LabHum, muito melhor e mais aproveitada, se for acompanhada.
E outra: a travessia não se dá sem questionamentos. E nessa parte da travessia, me identifico muito com Riobaldo e seus questionamentos... Existe certo? Existe errado? Existe bem ou mal? Externo ou interno? Como tudo é e não é, nos resta questionar e é nesses questionamentos que se também se faz a pauta da vida... Por erros e acertos, mas sempre tentando.
Engraçado, fazer a experiência do relatório antes da história de convivência. Achei que fosse ser difícil, mas parece que ficou mais “organizável”. Como resumir essa imensidão de experiência? Dificuldade em encerrar o livro, mas que é um encerramento ilusório, pois no fim das contas, certamente não se encerra aqui, nem no encontro final do livro, amanhã no LabHum.
Trata-se de minha velha dificuldade em encerrar, pauta que tenho que encarar...
O mais bonito para mim, é que a travessia mesmo, essa da vida, continua...