Quando comecei a ler o livro, fiquei imaginando como seria um filme baseado nele. Pensei em um filme dirigido por JL Godard no início da carreira, cujos jump-cuts transportariam o linguajar novo do livro para as telas, e com o magistral uso de mise-en-scène, criaria um filme de autor de fato, diferente do cinema que Holden Caulfield detestava, unindo as ideias de Salinger à sensibilidade filosófica de Godard.
Em “Viver a vida”, vemos primeiros as duas faces de Nana (Anna Karina): ela termina o relacionamento com um homem (com quem há uma filha) e segue sem rumo para a vida, tornando-se uma prostituta, que pela primeira vez começa a discutir metafísica e que descobre o amor. Na França, a prostituição também é chamada de "a vida", o que pode explicar o título do filme. Uma pena Salinger não ter permitido uma adaptação cinematográfica: entendo a situação de Hollywood da época, mas filmes da Nova Hollywood dos anos 70 ou mesmo a Nouvelle Vague francês dos anos 60 poderiam capturar muito bem o tema de alienação e identidade.
“O Pencey estava cheio de vigaristas. A maioria dos alunos vinha de famílias riquíssimas, mas assim mesmo o colégio estava cheio de ladrões. Quanto mais caro um colégio, mais gente safada tem, no duro. ” Essa frase de Holden, minha preferida do livro, revela-nos logo no primeiro capítulo uma profundidade e capacidade de percepção da realidade que em geral não se espera de alguém de 16 anos. No início do curso, lembro de pessoas se indagando do porquê da escolha desse livro, visto que usualmente se discutia livros clássicos e densos, e outras enxergando em Holden uma banal simplicidade.
Mas se Holden fosse tão simples assim, teria ele criticado seu ex-colégio? Ou então ter achado a beleza na simplicidade das freiras? Ou então, no centro do enredo, admirar tanto a inocência da infância e rejeitar o mundo adulto?
Analisando o arco do nosso herói, Holden, observamos uma trajetória que se inicia com a ruptura do mundo antigo e segue com a incerteza de um desfecho definido, com as inseguranças e tudo o que Holden busca sem saber no meio do caminho. O gênio de JD Salinger é criar, a partir de uma história simples, um enredo rico e complexo: não é difícil enxergar ali um paralelo com as nossas vidas na universidade. Ao vagar pelas ruas de Nova Iorque, Holden vagava também pela vida; o contraste fica mais claro quando ele nos conta de seus amigos, que parecem satisfeitos em suas vidas - os falsos e hipócritas e chatos. Holden, sentindo-se muito só e deprimido durante o percurso, liga para algumas pessoas, com a intenção de arrumar alguma companhia e desabafar sobre seus problemas, medos e dizer o que ele pensa e acha da vida como ela é e indagar sobre os patos – mas suas únicas companhias são motoristas de taxis e pessoas indesejadas.
É curioso, por fim, que em uma Universidade, onde a interdisciplinaridade deveria ser o imperativo que rege a construção do conhecimento do aluno, um dos primeiros contatos com temas humanísticos – como a identidade – que eu tive foi durante o 4º ano, em uma disciplina eletiva. É mais estranho ainda que isso ocorra em um curso de saúde, onde a relação interpessoal é o âmago da profissão. Assim como Nana e Holden, trilho um caminho desconhecido, buscando sempre o humano, a experiência, todos os acontecimentos com suas pessoas, suas ações e sentimentos.
Relato de experiência – Laboratório de Humanidades
Rodrigo Almeida Paroni – Turma 80/Unifesp-EPM