Por Alessandra Paula Ferreira Moreira Neumann *
Certo dia conversava com uma colega sobre os problemas do trabalho, o excesso de metas, condições precárias de trabalho entre outras, ela me disse: “Quando chove – chove muito!” Aquela frase teve um peso imenso naquele momento...
Durante muito tempo tive medo da chuva, penso que o motivo está enraizado num sofrimento da minha infância, nasci num bairro muito pobre em uma cidade da periferia de São Paulo, a casa era muito pequena, um barraco com dois cômodos de madeira e quando chovia muito, forte tínhamos muito medo que as telhas fossem arrancadas, porque já havia acontecido uma vez à noite – pense uma criança olhando um buraco no teto – raios por toda parte, as coisas molhadas, todos assustados e chorando... vida sofrida, com muitas privações...Não sei se conseguiria falar sobre isso.. é muito mais fácil escrever, principalmente depois de tantos anos...
Sempre há de chover, e não raro vemos nos noticiários os desabamentos, as casas destelhadas, histórias similares, ano após ano. O sofrimento continua e a indiferença também, as pessoas estão ficando embrutecidas... O sentimento de impotência pode ser considerado normal e tolerável?
E quando a gente fantasia que é um herói, que vai ter super poderes e resolver tudo... ou ganhar na loteria e contratar pessoas para resolver todos os problemas. Que a família e amigos vão nos admirar pela bondade e cuidado... Mas será que seria assim mesmo?
Enquanto lia “A Odisséia” é um poema épico do século IX a.C., descrito pelo poeta grego Homero e narra as aventuras do herói Ulisses, na sua viagem de retorno para “Ítaca”, após a Guerra de Troia.
Divaguei em vários momentos, refletindo sobre os heróis, sobre minha vida, sobre a vida dos outros, sobre a história, sobre as mentiras, dissimulações, amor, traição, resistência, violência, intolerância, medo, gênero, livre arbítrio, etc. Muitos desses assuntos foram abordados pelos alunos e pelo professor durante as aulas, alguns temas como o Livre arbítrio foi discutido muitas e muitas vezes, não raro o professor, usando de sua sabedoria, abordava novos temas, sempre referente ao conteúdo do livro, mas que nos fazia refletir por horas a fio. O que é ser um herói, o que o torna um herói, Ulisses foi e é inspiração para muitas pessoas.
Foi uma leitura muito difícil, a versão em prosa, me fazia pensar que estava diante uma plateia, recitando os versos, com a mão sobre o peito e olhando para cima... ah! Que tolice escrever isso, penso eu, está mais parecendo um diário de uma experiência etnográfica... Mas li na integra o livro, ora relembrando fatos visto no filme, e oras relembrando o primeiro livro Ilíada, no qual lí há muitos anos atrás.... Houve uma época que eu lia um livro por mês, durante aproximadamente dois anos, foi uma experiência muito rica.
Leituras como essa, especialmente quando discutida em sala de aula, contribui para a vida como um todo, coisas que levaremos para sempre. Um fato interessante foi, que certo dia a turma discutia sobre o Ciclope, inclusive alguém perguntou o que significava o nome “Polifemo”, eu quis dizer que havia pesquisado, mas a turma estava tão animada, tão falante que eu perdi a coragem de levantar a mão... o significado que encontrei não faz jus ao Ciclope, mas quem quer discutir nomes? Enfim, segundo o dicionário Michaelis: “sm (gr Polýphemos, np) 1 Entom Espécie de mariposa norte-americana (Telea polyphemus) cuja lagarta se desenvolve em carvalhos. 2 Zool Gênero (Polyphemus) de crustáceos cladóceros.” Uma colega, chamada Alice, nos privilegiou contando sobre suas viagens, em uma delas viu, um possível esqueleto do Ciclope, assim como outros colegas, eu demonstrei muito interesse, e não que é na aula seguinte ela trouxe uma cópia da foto que tirou!!! :-D (Segue cópia em anexo).
Um conto que me fascina também é quando a feiticeira Circe transforma os amigos de Ulisses em porcos. Foi Ulisses quem pediu que sua tripulação fosse verificar melhor o lugar, viram outros animas, mas não sabiam que eram outros homens transformados. Os homens entraram, sem desconfiar de nada, exceto Euríloco. Comeram, beberam e se divertiram e depois foram transformados em porcos. Ulisses ficou furioso, e com a ajuda de Hermes conseguiu libertar seus homens.
Nosso herói recebia muita ajuda dos deuses, não que não tivesse escolha, isso não significa que a pessoas, ou o herói pode errar, não se espera isso, mas quando acontece e o mesmo aplica a punição imposta por ele mesmo, por deuses ou outras pessoas, ele pode voltar a ser o herói.
Muitas alunas se identificaram com Penélope, comparando ela com algum tipo de deusa, como uma mulher forte e sedutora... Eu particularmente não, acho que representa o papel de uma pessoa acuada e sem autonomia. Quanto ao amor, não sei se dura tanto tempo, porque afinal de contas aquele não era mais o homem que ela conhecia. É normal as pessoas se confundirem, misturando seu eu com o da outra pessoa, adotando medidas de posse, e devemos pensar que ninguém é de ninguém, o que existe, ou pelo mesmo deveria existir é um tipo de acordo amigável que pode ou não ser tolerado na relação.
Outro assunto abordado, que me intrigou foi de que “esse povo não trabalha... somente os servos...”, será que eles tinham qualidade de vida? Sonho de matriz referencial para minha vida!!! Mas sinto que vivo em um mundo alienado, voltado para o trabalho, e penso que tempo temos? Onde está meu tempo? Voa?!?
Por outro lado, penso... que não raro ouve-se a frase: ´não tenho tempo nem para mim...´, frase padronizada e aceita. Como assim! A vida é sua, e seus interesses giram em torno de você, seu asseio, sua alimentação, suas vestes, moradia... pode-se citar uma lista infindável de coisas; Mas o ponto fundamental é: sua relação do tempo como a dinâmica escolhida foi imposta? E vira um circo vicioso.... E me vejo abordando o mesmo assunto que falei em sala de aula, Ulisses era livre? O que é ser livre? Não existe liberdade absoluta para quem vive em sociedade... temos uma liberdade assistida. Todavia liberdade demais traz violência e caos. Ulisses matou todos seus concorrentes, um massacre total, poderia somente ter provado ser quem era por meio do arco e tê-los deixado ir embora? Penso que não, naquela época seus inimigos voltariam e acabariam com ele e sua família... Fora o desfecho perfeito para um herói voltar, reconquistar sua esposa, sua vida e ser lembrado para sempre.
* Trabalho de conclusão de curso, Ciclo de Encontros e Discussões sobre Humanização em Saúde. Laboratório de Humanidades – Labhum.
Período: 29/04/2016 à 01/07/2016, das 12h às 13:30h.
Professor Drº Rafael Ruiz
São Paulo
2016