Dois relatos por Larissa Ferraz Reis, sobre as obras Névoa, de Miguel de Unamuno, e Ressureição, de Tolstói.
Relatório Final Laboratório de Humanidades: Névoa
Névoa foi uma ótima companhia enquanto aguardava para embarcar num vôo. A obra me capturou de tal forma que rapidamente concluí o livro. Miguel de Unamuno, habilmente, cria uma trama nos faz questionar a maneira como nos relacionamos com o Outro.
Insegurança, apego, orgulho, respeito (ou a falta dele) e amizade são alguns elementos que permeiam os Encontros.
Neste livro, os conflitos internos vivenciados por Augusto mostra sua fragilidade, perante a crueza e o distanciamento com que estabelece as relações. Seu pouco envolvimento com as pessoas, assim como, as tentativas de quantificar o subjetivo parecem uma necessidade de encaixar ao seu restrito repertório comportamental (influenciado pela dinâmica que tinha com sua mãe) uma dose de conforto e segurança. A vida lhe parece, em alguns aspectos, perigosa – na medida em que confronta-se com situações nunca antes vivenciadas. Ser um Passeante acaba lhe sendo custoso e, dar-se conta da realidade na qual se encontra tem seu preço (e Valor).
Unamuno utiliza-se dos personagens para explicitar aos leitores o quão os Homens podem ser perversos e/ou generosos. O pouco contato que temos com as Questões internas dos outros caminhantes do livro nos faz querer transcender a leitura e buscar razões para atitudes consideradas, por vezes, descabidas. Entramos em conflito junto com os personagens e, com eles, também brigamos e damos lição de moral.
Em Névoa, nos vemos sugados para esse mundo, que hoje, nos parece tão atual: Em alguns momentos não temos acesso ao Outro e, ainda assim, apontamos o dedo em riste; em outros, ficamos nas fantasias porque o Real pode ser bastante incômodo e; há ainda aquelas épocas em que o maior objeto de afeto pode ser um “bichinho de ESTIMAção”. Nesse sentido, alguns questionamentos permanecem: Que Lugar é esse em que colocamos o Outro? Será que realmente temos dimensão de quem ele é? Sabemos, primeiro, quem nós somos? Qual papel ocupamos em nossa vida?
Relatório Final Laboratório de Humanidades: Ressureição
Ser Baiana em São Paulo: Uma Montanha-Russa
Ler Ressureição foi uma experiência muito agradável, mas poder conversar sobre ele nos encontros do LabHum foi especialmente enriquecedor. À medida que a discussão se desenrolava, alegremente as epifanias brotavam pela ponta da esferográfica!
No livro, Dimitri não há uma sensação de pertencimento para com o mundo ao qual pertence. De forma análoga, quando vim da Bahia para morar em São Paulo, a tônica também foi a estranheza. Mal sabia eu que estava saindo do avião e entrando num carrinho de montanha-russa: encontrei pessoas desconfiadas, distantes e até pude perceber um preconceito velado. Para minha sorte, em alguns espaços encontrei e construí belas amizades, tornando mais leve a experiência de estar nessa cidade. Hoje, com os outros assentos do carrinho já ocupados por pessoas queridas, a trepidação é menor, a emoção dos loopings é compartilhada e até as descidas bruscas são motivos de riso (catártico)!
Na obra, Tolstói relata situações e descreve personagens que ainda são atuais. Dois eventos ilustram essa percepção: o primeiro diz respeito à vivência de Dimitri no exército, a qual o leva a considerar-se uma pessoa onipotente e embota sua consciência, deixando de se importar com questões que antes lhe eram primordiais. O segundo, refere-se ao momento em que a Máslova “se engraça” com o enfermeiro. No livro, e infelizmente, na vida, a vítima ainda é muito desacreditada e, por isso, culpabilizada. Seu silêncio, muitas vezes, serve como moeda de troca para evitar retaliações. Até quando?
Uma outra questão que me chamou atenção foi o fato do protagonista, a partir do encontro com o Outro – no caso Máslova - acordar para a vida. Esse desdobramento me fez o recordar o processo de análise, no qual a pessoa vai desvelando os próprios mistérios e aprende a lidar com as angústias. Depois disso, a vida não tem como ser a mesma. Ainda bem! Lembrando de Drummond, inclusive, quem consegue despertar é como uma flor que nasce no asfalto. É preciso estar muito implicado.
Com sutileza, Tolstói nos mostra que, a partir do momento em que Dimitri coloca-se disponível para com as histórias do Outro, vai ressignificando suas próprias experiências e resgatando o sentido da sua vida. Máslova, por sua vez, sai da passividade e começa a dar mais valor à sua existência. Vale lembrar que esses processos são tortuosos. Por vezes, os encontros geram conflitos, os quais podem tanto paralisar o sujeito como mobilizá-lo a ponto de sair de sua zona de conforto.
Acompanhar o despertar dos dois personagens principais foi uma oportunidade para me visitar. Aceitar o convite, entretanto, foi uma escolha. Reconhecer nossas limitações e potenciais não é um movimento tranquilo, mas é um processo muito interessante.