Escola Paulista de Medicina
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O valor da divergência

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Me assustei quando vi a aparência do livro. E, principalmente quando soube do autor. Me parecia um livro altamente filosófico. Achei que não fosse entender a estória. De modo geral, me acho mais técnica e menos filosófica. Há anos só me dedico a leitura de livros de assuntos técnicos da minha área.

Talvez eu nunca tivesse me interessado por um livro desses espontaneamente. Deixei para depois o início da leitura e assim, por vários dias, mas toda noite me incomodava saber que ainda não havia começado a leitura obrigatória.

Comecei pela apresentação do livro e rapidamente me surpreendi. De uma hora para outra, me percebi querendo ler logo aquela estória que parecia menos pesada do que eu estava imaginando.

Já comecei gostando. Gosto muito de ler os evangelhos das escrituras sagradas e este livro de Tolstói abre a primeira parte com 4 passagens bíblicas que muito me atraem. Que muito tenho lido e que muito quero praticar! Imaginei naquele momento que a obra se tratava de mágoa e perdão e amor, claro. E quem de nós não tem um pecado ou uma história dessas guardada lá no fundo escuro?

Logo nos primeiros capítulos já percebi que toda a história desse livro nos reflete. E o que mais me intrigou foi o quanto cometemos os mesmos erros e fingimos não cometer. O quanto falamos ou omitimos e fingimos que não é conosco. O quanto somos ambiciosos e achamos que não somos. O quanto somos imperfeitos e escondemos nossas imperfeições e não gostamos de ser criticados e nem que nos mostrem nossos defeitos. Ou seja, o quanto somos acomodados, principalmente nos nossos pontos mais feios e fracos. Somos iguais aos personagens dessa estória, mesmo que não reconheçamos. Constantemente falamos do certo e errado. Destacando que a definição de certo e errado nós mesmo é que decidimos.

Constantemente preferimos o nosso conforto, nossos amigos, nossas raízes, as mais enraizadas, preferimos ser quem sempre fomos a mudar nossos conceitos, nosso formato de ser. E o personagem de Nekhliúdov nos mostra com franqueza tudo isso. Que preferimos ser quem estamos acostumados, é mais fácil, mesmo que aquilo seja um fardo muito pesado a carregar. Bem mais difícil é ser franco com os relacionamentos, ser verdadeiro. Viver a mentira, para Neckhliúdov, trazia sentimentos que o atormentavam e o alegravam ao mesmo tempo. A ambiguidade de todo o ser humano. Esse livro nos mostra a problemática da humanidade nos dias atuais, mesmo tendo sido escrito há séculos.

A personagem de Katiucha, por sua vez, nos remete, em princípio, a uma história de tristeza, uma condição humilhante, desfavorável na sociedade, mas que nos entristece apenas por alguns minutos, que é quando entramos em contato com histórias desse tipo e que logo em seguida, voltamos a nossa rotina e nada fazemos para que algo mude na vida dessas pessoas, consideradas menos favorecidas. Porém, não diferente de nenhum de nós. Somos carne como ela e somos espírito como ela também. Talvez nossas escolhas sejam diferentes, porque temos opções diferentes, mas não significa que ela não tivesse opções, ou que tivesse menos do que nós. Assim como ela, nós também temos as consequências para cada uma de nossas escolhas. Durante a trajetória de Katiucha no livro, há uma mudança de vida. Antes ela vivia a vida horrorosa da prostituição, muito desgostosa, pouca esperança e a partir da terrível prisão inicia-se um período de oportunidades para a sua mudança interior de vida.

Independente das escolhas-consequências que cada um de nós carrega, a história escrita há tantos anos, é tão real e nos faz refletir em casos de perdão e compaixão que nos cercam diariamente. Dia a dia, no trabalho, em casa, com amigos, com a própria família que consideramos o nosso amor maior, mas que não perdoamos facilmente e não amamos incondicionalmente sem exigir nada em troca, como falamos em nossos lindos discursos. Há várias definições para o amor (na teoria), todas elas relacionadas a sentimentos, afeição, desejo sexual, carinho, emoção, benefícios, vantagens. Porém, essa definição nada tem a ver com o que a Bíblia Sagrada nos ensina. Em I Coríntios 13 (4-7), a Bíblia nos diz que “ o amor é sofredor, é benigno, é paciente, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não busca os seus interesses, não se irrita, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, mas com a verdade, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. Será que é fácil amar dessa forma? Particularmente não consigo, nem aqueles que mais penso que amo. Quando menos imagino, já me irritei, já não esperei, já não suportei!! Agora, amar os “de longe”, aqueles que moram longe do seu lar, na rua, na instituição, na favela, na comunidade pobre, esses são muito fáceis de amar. Fazer benfeitorias por esses, facilmente é possível, basta querer. Esses sim é bem mais natural amar. Afinal, não precisamos conviver com suas manias e imperfeições diariamente.

Penso, nessa história de Tolstói, que o personagem de Nekhliúdov, por mais erros que tenha cometido, tentava se recuperar e amar o próximo desse jeito ensinado pelo apóstolo Paulo no livro de Coríntios. Isso sim me encanta. Tentar amar, sem buscar seus próprios interesses, sofrer sem se portar inconvenientemente. Uma luta!! Talvez ele tenha tentado viver e se transformar praticando o cristianismo e não apenas ouvindo ou falando sobre o cristianismo. Uma decisão da parte dele.

Sem dúvida, o príncipe e a prostituta começaram a história com orgias, excessos, riquezas e ao mesmo tempo, miséria, egoísmo e insatisfação. Ao longo das transformações de cada um foi perceptível a mudança, ou porque quiseram, ou porque foram obrigados a mudar, contudo, tornaram-se melhores a partir de situações difíceis. Conclui-se que a dificuldade pode ser uma boa oportunidade de mudança.

O laboratório de humanidades me surpreendeu. Me fez pensar. Aqui percebi que é muito gostoso ler o que não estamos acostumados a ler e além disso, dividir a leitura com colegas. Experiência única e enriquecedora. Compartilhar opiniões. Mesmo com algumas interpretações divergentes, todas valiosas. De fato, somos todos iguais, com algumas experiências de vida diferentes. Mas somos todos imperfeitos, buscando atingir o que se considera certo, ou evitar, o que se considera errado. Todos na mesma condição: a humana.

LABORATÓRIO DE HUMANIDADES
LIVRO: Ressurreição de Liev Tolstói
Por Juliana Fernandez Santana e Meneses
São Paulo, 06 de novembro de 2015
Relatório de Conclusão do Curso

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