Por Aparecida Bastos Pereira
O príncipe me encanta! Gostaria muito de encontrá-lo por aí. Alguns personagens literários para mim são assim: anseio por conhecê-los ao vivo.
Eu li O Idiota pela primeira vez na adolescência e desde então considero que o príncipe é um dos personagens literários que mais me comove.
Quando soube que esta seria a leitura do LabHum neste semestre pensei: Tenho que ler! Mudei horários, fiz um arranjo difícil que me fazia atravessar a cidade às 11 horas da manhã, mas não poderia faltar a este encontro com o príncipe!
Eu tentava me lembrar da minha experiência quando eu ainda era muito jovem... O que havia me tocado tanto? Como seria revê-lo? Pensava que seria como reencontrar, depois de muitos anos, alguém que eu havia conhecido e que tinha marcado profundamente minha vida. Tinha uma grande expectativa de como se daria este encontro!
E novamente me encantei.
Acompanhei “com o coração na mão” a breve passagem do “cavaleiro pobre” pelo mundo dos homens.
Em alguns momentos gostaria de poder protegê-lo...
Em outros ficava difícil aguentar a sua entrega ao outro, aos acontecimentos, sem nada desejar. Pensava: Não é possível viver assim! É preciso definir-se, ocupar um lugar, proteger-se! Por que ele não falou, não fez escolhas, não se afastou do perigo?
Aos poucos fui parando de lutar e descobrindo como entregar-me ao convite do príncipe para esta experiência de dissolução dos limites e de transcendência.
Afinal, para mim, o príncipe vem dar notícias deste “outro lugar” que transcende o humano. Vem nos relembrar da nossa “pátria”, da “margem forte”, e com o seu “ser estrangeiro” – “com um gesto sempre oposto”- aponta nossa experiência de exilados, e a dor que acompanha essa condição.
“(...) Agora recordava que havia estendido as mãos naquele azul claro e sem fim e chorado. Atormentava-o o fato de que ele era totalmente estranho àquilo tudo. Que festim é esse, que grande e sempiterna festa é essa que não tem fim e que há muito o vem arrastando, sempre, desde a infância, e à qual ele não encontra meio de juntar-se. Toda manhã nasce esse mesmo sol claro; toda manhã há arco-íris na cachoeira; toda tarde a montanha nevada, a mais alta de lá, ao longe, nos confins do céu, arde em uma chama purpúrea; cada ‘ pequena mosca, que zune ao seu lado na réstia quente do sol é uma participante de todo esse coro: conhece o seu lugar, gosta dele e é feliz’; cada pé de relva cresce e é feliz! E tudo tem o seu caminho, e tudo conhece o seu caminho, sai cantando e chega cantando; só ele não sabe de nada, não compreende nada, nem as pessoas, nem os sons, é estranho a tudo e é um aborto.(...)”
Penso que este é o efeito que ele vai tendo sobre os demais personagens que como eu também se encantam, estranham, se desconcertam, transformam-se, ficando envolvidos em uma experiência que se dá entre o mundo real e o transcendente, algo um pouco mágico, que para mim permeia toda a narrativa.
A presença do príncipe vai assim revelando a miséria dos que “passeiam pelos trilhos” sem nunca descarrilhar. A identificação demasiada com o que é estabelecido socialmente, o medo de arriscar qualquer originalidade, ou uma expressão mais autêntica... Certamente existe aí o perigo de uma vida estreita e empobrecida, e de impossibilidade de acesso à experiência de abertura, amor e compaixão para a qual o príncipe nos convida.
Lisavieta sabe disto: “(...) E todo esse, e todo esse estrangeiro, e toda essa sua Europa, tudo isso é apenas uma fantasia, e todos nós no exterior, somos apenas uma fantasia... há de ver, o senhor mesmo verá!”
Para mim fica o enigma de saber viver neste lugar entre os limites do humano e o transcendente. Viver entre... Eu me dou conta deste movimento: ir e vir, aqui e lá...
O príncipe retornou a sua “pátria” enlouquecendo. Nós o conhecemos saindo da loucura, chegando ao mundo dos homens, e depois o vimos partir. Os outros personagens – assim como eu!- ficam com o desafio de sustentar a sua condição humana sem esquecê-lo.