Permitir-me ler uma indicação de leitura me fez sair da zona de conforto, a discussão estética a partir do livro resgata a necessidade de um interlocutor ouvinte e abre espaço para desenvolver o autoconhecimento. Experiência estética é formativa, criativa e cognitiva, desestabilizou meus sentimentos, e refletindo para produzir esse texto, acredito que estou vivendo de um modo diferente.
O LabHum é um momento especial para a partilha, o tema é o livro e suas partes, porém cada um em sua particularidade expõe sua interpretação que também influência a interpretação vinda da leitura solitária. O que foi comum com vários participantes, e eu percebi que aconteceu comigo também, foi mudar o olhar sobre algum personagem ou situação conforme vamos entrando em contado com o relato do outro, essa troca é fundamental para experiência acontecer.
Para exemplificar, eu enxerguei as duas personagens principais plenas em si mesmas, que construíram seus próprios universos particulares exercendo suas inteligência e escondendo suas competências, preferências culturais, preconceitos sociais e de classe, porém, os outros participantes do Laboratório adotaram uma postura crítica sobre elas e as situações, questionando duramente a personalidade das duas, que elas se enquadravam exatamente em suas posições de riqueza e pobreza, na idade adolescente e meia idade, sendo estudante e sendo concierge, acomodadas no marasmo conforto do lar e da clandestinidade, Paloma e Renné criticam tudo e todos, e não fazem nada para mudar. Realmente, é insuportável ficar perto desse tipo de pessoa, e o que até então eu tinha achado que havia gostado, percebi que pelo contrário, detestei por ter me identificado com vários dos momentos vividos em diferentes momentos pelas duas, mas que são originárias de pessoas com personalidades que eu não admiro nem de perto. Como é comum na vida cotidiana cometermos esse tipo de equivoco interpretando superficialmente pessoas e personalidades ditas "cultas".
Nada na vida é estático, tudo muda, nós mudamos. Na vida há situações em que é necessário correr riscos, sair de si mesmo, enxergar o outro e se permitir ser enxergado. Conforme as páginas do livro vão se sucedendo, e na vida vivendo um dia após o outro, o olhar sobre as pessoas mudam, o que antes não parecia ter nada, de repente tem um universo vasto e profundo cheio de coisas interessantes para serem explorados.
A vida das duas foi desprovida de sentido, elas tinham sede de afeto.
No início da História de Leitura houve uma discussão sobre das referências que cada uma das narradoras personagens faz, o que é muito interessante o fato que em pelo menos em uma das duas, ou nas duas mesmo a pessoa se identificou e reconheceu a referência cultural, concordando ou não, achando correto ou não.
A Renné é a que inicia a história, e já mostra seu vasto conhecimento e sua carapaça sendo porteira, após os encontros pude refletir que em quantas vezes eu não me escondi atrás de aparências mesquinhas para ler minha literatura, muitas vezes deixando de partilhar momentos com outras pessoas. Foi muito interessante essa experiência, pois é a primeira vez que tenho oportunidade de conhecer pessoas de se encontram para discutir literatura e que eu percebi, que em sua maioria adora literatura russa, a experiência do relato do Prof. Dante sobre sua viagem, me deixou impressionada e extremamente encantada.
Tenho 25 anos e leio literatura faz pelo menos uns 10, nunca havia conhecido alguém que estivesse disposto a conversar sobre literatura, quem encontrava só estava querendo dar merecimento ao escritor por vender livros em todos os idiomas, mas a pessoa mesmo, não relatava se havia gostado do livro em si e me parecia, e de fato era, que a pessoa estava lendo conforme a moda, de maneira superficial se gabando das 600 páginas em 3 dias.
A personagem demorou 54 anos para ser desvendada e desabrochar, sorte minha que não demorou tudo isso. Agradeço de coração.
O contato com a arte permite transmitir nas várias formas de expressão sentimentos, pensamentos e percepções que não são possíveis de serem passadas em uma conversa casual, é impossível transmitir o que eu sinto para o outro tenha exatamente a mesma experiência estética que eu senti. Isso indica o quanto é complexo interpretar a ferro e fogo a personalidade de alguém, seu modo de ser e se comportar nas diversas situações do cotidiano.
A Paloma, por se ver muito cansada da monotonia da vida que ela tinha vivência, criticava tudo e a todos sem nenhum remorso e para quebrar esse ciclo se suicidar tomando calmantes e queimar o apartamento dos pais. O que achei gozado foi que abominei essa personagem chata, repetitiva demais, pouco convincente e que, no entanto, por meio de metáforas belíssimas transmitia seu modo de perceber as coisas que aos poucos foi me cativando e indicando que por trás daquela maneira chata de ser existe algo de bom, algo para se aprender de alguém que foi pre-conceituada como arrogante, superficial, adolescente demais e sem experiência para poder falar alguma coisa de útil. A partir desse meu contato, eu percebi e acredito que em cada ser humano existe algo de bom por trás dos espinhos, pode ser que a procura seja frustrante, porém quando a sincronia de sentimentos com o outro acontece, todo sofrimento que isso possa ter causa fez valer a pena.
É o que prova a autora colocando um novo personagem interessantíssimo na história do prédio, é para isso que vale a pena viver, poder ter oportunidade de conhecer alguém que transforma toda nossa percepção de olhar e passar, a partir de então, a enxergar um mundo de possibilidades.
Valeu a pena viver, no meio da correria que é fazer pós-graduação, em sextas-feiras ensolaradas, cada momento de partilha e entrega, no recanto onde pode-se ouvir passarinhos cantando sem que houvesse amanhã, o Laboratório de Humanidades foi como Karuro na vida dos moradores do prédio da Rua de Guenelle, transformou minha vida, desvendou o meu lado clandestino de apreciadora de literatura e me fez enxergar as possibilidades e a vontade de viver cada momento como único. Obrigada.
Camila Nunes Oliveira, Laboratório de Humanidades, 20 de outubro de 2017.
História de Convivência – A Elegância do Ouriço, Muriel Barbery