Ao final dos encontros no laboratório de Humanidade, posso dizer que participar deste grupo de leitura foi uma experiência foi muito prazerosa e, ao mesmo tempo, mobilizadora. Logo no primeiro dia do laboratório fui inundada por uma série de sentimentos e pensamentos, suscitados apenas pela apresentação da disciplina e pela leitura do texto sobre estética da arte. Devo destacar um trecho que acredito resuma as emoções deste dia despertadas: Licurgo fala que um dos papéis da estética artística é despertar enquanto o seu oposto é o anestesiamento.
Esta parte me tocou muito pelo meu momento de vida que, após uma mudança significativa do rumo da minha carreira profissional, penso que acabei por anestesiar uma parte importante da minha personalidade para me defender do sofrimento que esta mudança desperta em mim. Parte esta que se conectava exatamente com o mundo lírico, artístico, metafórico... o mundo da estética. O primeiro encontro me tocou tanto que fui invadida por uma vontade chorar instantânea e sincera, tamanho era a emoção. Bom, a partir desta vivência já criei uma série de expectativas sobre o que se seguiria e percebi, no laboratório de humanidades, a possibilidade de um resgate deste lado “anestesiado”.
Passado este preambulo inicial, posso dizer que em relação ao livro propriamente dito tive bastante dificuldade de leitura da sua primeira metade. Cheguei a me questionar se poderia ser exatamente pela minha identificação com a parte “anestesiada” das personagens. Sentia grande dificuldade de me ligar nas histórias das personagens principais, não conseguia nem discernir quando era a Paloma narrando a história e quando era a René. Além disso, ambas me pareciam chatas exatamente pelos seus aspectos mortíferos, seus desligamentos das relações afetivas e discursos racionalizados que refletiam cristalização de defesas. Claro que a conexão de René e Paloma com o mundo das artes (pintura, literatura.. etc) refletia um aspecto delas de vida (um mundo interno rico de poesia, inquietações e elucubrações) e me suscitava interesse e alguma curiosidade sobre seus destinos. Mas foi, neste momento, que o grupo me ajudou a seguir a leitura com esperança de páginas melhores, uma vez que muitos já tinham lido todo o livro e anunciavam páginas mais leves e esperançosas.
Com a chegada de um novo personagem, Kakuro, a trama muda. A leitura se torna mais leve, esperançosa e instigante. As duas personagens da trama parecem se ver tocadas nos seus aspectos de vida e afetivos, antes enclausurados dentro de si, se mostrando mais corajosas para enfrentar seus medos, traumas e defesas emocionais (criadas ao longo das suas vidas para afastá-las de seus sofrimentos). Nesta parte, começo a me conectar mais com as personagens, pois, apesar de identificar parte de mim anestesiada, considero que a maior parte de mim é muito “desperta”. Acho que carregamos conosco, ao longo de nossa jornada de existência, esta luta entre os aspectos mortíferos (anestesiados) de nós mesmos e os aspectos de vida (despertos). Entretanto, acredito muito na força da vida, representada principalmente pelos vínculos afetivos que construímos. Portanto, achei muito bonito o desenrolar do livro que mostrou as duas personagens enfrentando essa luta (vida X morte) na direção de uma vida rica de afetos e de conexões verdadeiras com elas mesmas e com o mundo, independentemente do desfecho que cada uma fosse ter.
No caminho de toda esta reflexão, me fez muito sentido o último pensamento profundo de Paloma: “talvez seja isso a vida: muito desespero, mas também alguns momentos de beleza em que o tempo não é mais o mesmo. É como se as notas de música fizessem uma espécie de parênteses no tempo, de suspensão, um alhures aqui mesmo, um sempre no nunca”. Acho que por mais sofrido e desesperador que possa ser enfrentar nossos medos, dificuldades e anestesiamentos é só através deste enfrentamento que poderemos vivenciar os momentos de beleza e vinculação afetiva que a vida tem a nos proporcionar.
Aluna: Juliana Y. Valente
03/10/2017